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Mulher sofre ataque transfóbico após evento de boas-vindas LGBT dentro da UFPE

Débora Britto / 24/03/2018

Dália Celeste, 25 anos, mais uma mulher trans vítima de um ataque transfóbico em espaços públicos por ser quem é. Na noite da sexta-feira (23), a estudante do pré-vestibular solidário da UFPE foi espancada de maneira covarde por dois homens quando se preparava para voltar para casa, depois de participar de evento cultural de acolhida e boas-vindas à comunidade LGBT da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Dália foi atingida por uma pedra quando chegava na parada de ônibus, em seguida foi atacada por pelo menos dois homens que ela não teve tempo de ver de onde vieram. “Quebra o rosto dela”, foi a última frase que ouviu antes de conseguir correr para salvar sua vida. Dália não é apenas trans, mas mulher negra, feminista e de periferia.

Mais cedo, na mesma noite, Dália já tinha sofrido uma agressão de um homem conhecido na região da Cidade Universitária e do bairro da Várzea por perseguir mulheres trans e andar sempre em grupo, com outros homens, promovendo ataques lgbtfóbicos. De acordo com outra estudante trans, que preferiu não se identificar para resguardar sua segurança, ele já a intimidou e perseguiu em outras ocasiões. Ele seria morador da Várzea e teria o costume de aparecer em eventos abertos dentro da própria universidade, o que levanta a suspeita de que não estaria sozinho. Segundo relato de Dália, em postagem em sua rede social, o homem se aproximou dela e questionou, em tom agressivo, se ela era uma mulher. Dália estava acompanhada de outras mulheres no momento e confrontou o interlocutor, que saiu do espaço sob vaias das pessoas que viram a cena.

Dandara Alves, estudante de Ciências Sociais, bolsista e integrante da Diretoria LGBT da UFPE (mas que não fala oficialmente pela Diretoria), estava na organização do evento e relatou que por dois momentos as atividades foram paralisadas para realizar falas de repreensão. Uma delas foi a agressão sofrida por Dália. A primeira foi devido a uma mulher que relatou conflito com um homem presente no evento. “A diretoria não compactua com nenhum tipo de violência contra nenhuma mulher. A pauta do feminismo é intimamente ligada à pauta LGBT”, explicou. A Diretoria LGBT é ligada à Reitoria da UFPE e tem entre seus integrantes estudantes LGBT da universidade. De acordo com o site oficial da instituição, ela “é responsável pela execução da Política LGBT da UFPE, cujo objetivo primordial é favorecer o acolhimento, a inserção e a permanência da comunidade LGBT da UFPE”.

post dália“Nós fizemos uma intervenção no palco, explicando que não seriam aceitas lgbtfobia e transfobia, sobretudo no evento que estávamos fazendo”, contou Dandara. Dália também tomou a fala e explicou o episódio no microfone, durante o ato. “Eu sei que infelizmente se a gente não se preservar em alguns espaços nos tornaremos alvos fáceis”, explicou Dandara. Ela e outras mulheres que estavam na hora alertaram Dália que ficasse por perto, com outras mulheres, por receio de que o homem voltasse ao local. “Me parece que ele estava muito seguro para fazer isso. O que me faz pensar que talvez fosse algo pensado. Ele não tem respeito nenhum pelas travestis.  Isso é fato. Ele foi para um lugar onde tinham muitas travestis e veio falar que nós somos homens. Então para fazer isso ele tem que ser, no mínimo, burro, confortável”, completa a estudante trans que pediu para não ser identificada.

O evento encerrou às 21h30. Apenas quando chegou em casa, Dandara teve notícias do ataque, que, segundo ela explica, vem sendo distorcido nas redes sociais. “Estamos recebendo vários ataques oportunistas de pessoas que estão aproveitando o que aconteceu com Dália para atacar a Diretoria LGBT”, denuncia.

“O que aconteceu com Dália ali poderia ter acontecido comigo, com qualquer uma de nós ali. Não foi omissão da gente. A gente fez um evento LGBT para que as pessoas se sentissem acolhidas para que nesses momentos soubessem que a diretoria está com elas. Estou muito fragilizada, estou com medo de sair de casa e ainda mais com esses ataques”, desabafou. “Agora nós estamos preocupados com a acolhida dela. É importante que ela vá para a delegacia. Em seguida vamos nos posicionar”, explicou Dandara.

Em seu perfil em uma rede social, Dália publicou imagens do rosto machucado denunciando a violência e questionando que cara tem a transfobia. Certamente não a dela, vítima, mas a de seus agressores. “Meu nome é Dália, sou uma mulher trans, negra e feminista. Antes de relatar minha história, eu quero mostrar a vocês o rosto que não é meu, quero mostrar o rosto que é da misoginia, o rosto da transfobia. O rosto de milhares de mulheres. Mostrar o rosto que antes de tudo denunciou, o único rosto que me fez ter vergonha de chegar em casa e olhar para minha mãe”.

Desprotegidas no campus

De acordo com Dandara, atos de violência e lgbtfóbicos são mais comuns do que se imagina, muitos envolvendo pessoas de fora da comunidade universitária. Apesar de ser o terceiro grande evento desde o retorno das aulas – antes da cultural aconteceram duas calouradas – parece que não houve atenção especial da segurança do campus.

Além disso, a estudante relata outros casos que aconteceram em dias comuns, como o de uma amiga, também trans, perseguida por três homens depois de deixar a aula no prédio do CFCH (Centro de Filosofia e Ciências Humanas) até a moradia universitária, onde reside.

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A parada de ônibus para a qual Dália estava a caminho é também outro local visado para ataques LGBT, com pouca iluminação e segurança. “A Dália é uma travesti negra da periferia. Estamos muito assustadas. A UFPE tem muitas pessoas trans estudantes, precisa de atenção especial”, diz Dandara.

“Como fica nossa segurança depois disso? Foi numa cultural LGBT que foi muito bonita, a Diretoria LGBT arrasou muito, mas ainda assim a gente fica à mercê dessa violência”, questiona a estudante que preferiu não se identificar.

Procurada pela reportagem, a Assessoria de Comunicação da UFPE informou que a Diretoria LGBT publicaria nota oficial sobre o caso. Em página em rede social, a Diretoria publicou nota em que expressa indignação e revolta com o ataque. “Informamos ainda que a estudante está sendo devidamente assistida e amparada pela nossa equipe. Todas as medidas administrativas já estão sendo tomadas no sentido de cooperar para possível identificação e punição do agressor nas instâncias cabíveis”. Leia nota na íntegra no fim da reportagem.

Resistência

Na segunda-feira (26), às 14h, o Pré-Vestibular Solidário, coletivos, grupos e movimentos que atuam na UFPE  vão realizar um ato contra o ataque a Dália e em defensa de uma estratégia de proteção às pessoas LGBT que fazem parte da comunidade universitária. A Diretoria LGBT da UFPE também estará presente. A manifestação acontecerá no Centro de Educação, mesmo local em que ocorreu a cultural de recepção.

Nota da Diretoria LGBT da UFPE:

A Diretoria LGBT da UFPE, órgão ligado ao Gabinete do Reitor e responsável pelo acolhimento, inserção e permanência dessa população no âmbito da universidade, vem por meio desta nota expressar nossa total indignação por mais um lamentável episódio de transfobia.

No dia 23 de março 2018 foi realizado, em frente ao Centro de Educação (CE), um evento de incentivo às manifestações artísticas e culturais promovidas pelas pessoas LGBTs da UFPE. Na ocasião, fomos procuradas por uma estudante do Vestibular Solidário, cursinho preparatório para o ENEM, que nos informou que havia sofrido discriminação e violência verbal/ simbólica por parte de um homem cisgênero ainda não identificado. De imediato, paramos as apresentações e repudiamos publicamente e enfaticamente as atitudes do agressor. Ratificamos que a Universidade Federal de Pernambuco, NÃO TOLERA qualquer tipo de discriminação e violência contra a população LGBT, em especial as pessoas trans e as travestis. Em seguida, a Cultural transcorreu tranquilamente sendo finalizada de igual maneira às 21:30. 

Contudo, após o término do evento, a estudante foi fisicamente agredida quando voltava para casa, a caminho da parada de ônibus. Vivemos no país do mundo que mais mata travestis e mulheres trans, o dado é conhecido, mas quando a violência chega tão perto de nós é ainda mais estarrecedor. São tempos difíceis para ser quem a gente é diante de tanto ódio e intolerância.

Nesse sentido, faz-se necessário expressar nossa indignação e revolta diante dos fatos ocorridos. Informamos ainda que a estudante está sendo devidamente assistida e amparada pela nossa equipe. Todas as medidas administrativas já estão sendo tomadas no sentido de cooperar para possível identificação e punição do agressor nas instâncias cabíveis. Acontecimentos como o que estamos repudiando somente reforçam a importância do nosso trabalho e nos move na luta pela construção de uma sociedade democrática e inclusiva para todos e todas. 

Não passarão!

Recife, 24 de março de 2018.
Diretoria LGBT UFPE

*Atualizada às 21h59.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.