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Entrada da Colônia Penal Feminina do Recife, onde Sara Rodrigues está presa (crédito: Carol Araújo/DPU)
Sara Rodrigues tem 24 anos, é mãe de uma criança de cinco e está grávida. Educadora popular, mobilizadora social e ativista dos direitos humanos, ela tem residência fixa, é trabalhadora de carteira assinada e não tem antecedentes criminais. Nada disso e nem mesmo o duro contexto da pandemia do novo coronavírus foram suficientes para impedir sua prisão por tráfico e associação ao tráfico, tida como ilegal por pelo menos 75 coletivos e organizações da sociedade civil, que assinam uma carta de abaixo-assinado.
A prisão de Sara, que milita nos movimentos sociais Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas (Renfa) e Coletivo de Mães Feministas Ranúsia Alves, escancara as violações de direitos por parte da polícia nas periferias e expõe o total desvirtuamento da condução das audiências de custódia por parte do Poder Judiciário durante o isolamento social, num caminho que leva ao aumento do encarceramento.
Na última terça-feira (16), Sara estava dormindo em casa, no bairro de Água Fria, Zona Norte do Recife, quando a Polícia Militar de Pernambuco (PMPE) invadiu sua casa sem mandado e sem autorização, segundo denuncia o coletivo de advogadas que reivindica sua liberdade imediata.
Participante de vários projetos sociais de luta por direitos, a militante foi presa em flagrante após a ação violenta e arbitrária de pelo menos três homens da PM que a violentaram psicologicamente, de acordo com as advogadas de defesa. Eles reviraram a casa onde ela vive com o companheiro após abordarem uma amiga que havia acabado de sair da residência. Elas estavam reunidas para planejar a distribuição de cestas básicas e kits de limpeza na comunidade, onde boa parte das casas é chefiada por mulheres que não contam com a assistência do estado.
Levados para a Central de Plantões da Capital, os três foram presos, segundo informações da Polícia Civil de Pernambuco, pelos crimes de tráfico de entorpecentes e associação para o tráfico. Além das substâncias, a polícia relata ter encontrado balanças de precisão e dinheiro. No entanto, as advogadas de Sara defendem que os homens forjaram a presença de drogas e outros instrumentos na casa para compor a acusação de atividades ilícitas, um relato recorrente na atuação policial contra jovens pobres e negros.
Na audiência de custódia, uma juíza mulher, Blanche Maymone Pontes Matos, decretou a prisão preventiva de Sara, que foi diretamente encaminhada para a Colônia Penal Feminina do Recife, onde os primeiros casos da Covid-19 foram confirmados ainda em abril. Isso significa que a Justiça decidiu pelo encarceramento de uma jovem, mãe e gestante, portanto grupo de risco, em meio à maior crise sanitária recente do país.
O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou, na semana passada, que houve um crescimento de 800% de casos do novo coronavírus, entre maio e junho, no sistema prisional, levando a uma renovação das recomendações para que magistrados e magistradas considerem a soltura de pessoas privadas de liberdade neste momento.
O fato que faz toda a diferença é que, por conta da pandemia, o CNJ suspendeu as audiências de custódia presencialmente e elas têm acontecido de forma remota, sem a presença dos acusados nem das defesas. Não há sequer teleconferência para acompanhamento.
Acontece que é justamente nas audiências de custódia que os juízes analisam os casos na presença dos acusados e da defesa. O momento serve para que também se faça um levantamento sobre possíveis práticas de tortura durante abordagens policiais, que muitas vezes não entram no inquérito aberto nas delegacias pelo fato de os policiais acusados da violência estarem presentes, gerando medo e insegurança.
As advogadas de Sara irão protocolar um pedido de habeas corpus juntamente com o abaixo-assinado que está online. Ele não tem prazo para ser julgado e o Judiciário entra em recesso neste sábado (20).
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Sara, mãe de uma criança, gestante, trabalhadora formal, com vínculo empregatício comprovado, com residência fixa e réu primária, não apresenta risco algum para a sociedade ou para o processo. Sua prisão, portanto, é arbitrária, defende o coletivo de advogadas, por contrariar o que está previsto no Código de Processo Penal brasileiro, pelo Conselho Nacional de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.
A Lei da Primeira Infância também determina que devem ser colocadas em liberdade provisória ou em prisão domiciliar as gestantes, lactantes ou mães de criança com deficiência ou até 12 anos que não respondam por crime violento ou praticado sob forte ameaça. Em 2018, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu conceder prisão domiciliar a todas as detentas grávidas ou mães de crianças de até 12 anos.
Além disso, o Art. 318-A do Código de Processo Penal diz que a prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, caso a mulher não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça nem contra seu filho ou dependente.
A reportagem entrou em contato com as assessorias de imprensa da PMPE e do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) para saber da versão da polícia e obter mais informações sobre o processo contra Sara e aguarda as respostas para atualizar a matéria assim que recebê-las.
Atualização: A assessoria de imprensa da PMPE enviou uma nota na noite da quinta (18) em que explica sua versão do ocorrido e diz que irá apurar a denúncia de violência praticada por integrantes dos 13º batalhão. O texto, que está na íntegra no final desta matéria, não menciona a questão do mandado.
Confira alguns trechos da carta aberta de abaixo-assinado pela liberdade de Sara:
A decisão da juíza é um atentado à vida, à dignidade e à saúde da mulher, mãe, gestante e ativista dos direitos humanos Sara Rodrigues, mas vai além: é coletivamente irresponsável e danosa, pois não visa a redução e sim potencializa os riscos de contágio pelo Novo Coronavírus ao passo que nacionalmente o nosso sistema de saúde, ainda que público e universal, é incapaz de suprir a demanda da população antes mesmo da chegada da pandemia.
Em nome da proibição das drogas, o Brasil continua a exercitar uma ‘guerra’ direcionada para prender e matar a população pobre e negra, indo na contramão de diversos países do mundo que têm alterado suas legislações de drogas propondo modelos de cuidado, saúde e assistência no lugar de políticas bélicas de punição, repressão e morte.
Atualmente temos 31 mil mulheres presas no Brasil, o que representa 4,4% da população carcerária do país, desse total cerca de 80% são mães. O sistema de encarceramento e punição no Brasil destrói com a vida de muitas mulheres nesse país, tirando de casa mulheres chefes de família que são responsáveis pelo sustento de seus filhos. A maioria dessas mulheres são acusadas de crimes não violentos.
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Confira a nota da PMPE:
Na manhã da última terça-feira (16), policiais militares do 13ºBPM, durante patrulhamento no bairro de Água Fria, visualizaram uma mulher em frente a uma residência adentrando em um veículo (Uber), demonstrando atitudes suspeitas. De imediato, o efetivo realizou a abordagem, momento em que foi encontrado em sua mochila, cocaína e maconha. A mulher afirmou ter obtido a droga na residência que teria acabado de sair.
Após diligências na propriedade, outros dois indivíduos foram apreendidos com crack e cocaína. Dentre os materiais apreendidos estavam: 345g de Crack, 22g de cocaína, 22g de maconha, 11 Petecas de cocaína, R$ 211,00 em espécie, três balanças de precisão e três aparelhos celulares. Diante dos fatos, os três envolvidos foram conduzidos para a Central de Plantões para adoção das medidas cabíveis.
A respeito da acusação de violência por parte do efetivo, a Polícia Militar esclarece que o comando do 13º BPM foi informado das denúncias feitas pelas advogadas da suspeita, acerca dos supostos casos de violência policial e se comprometeu a apurar todos os fatos. No entanto, destaca que o Batalhão é pautado pela legalidade e legitimidade em suas ações.
Atualizado em 18/6/2020, às 14h27
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com