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Projeto de Lei para condenados pagarem a própria tornozeleira é vetado

Raíssa Ebrahim / 29/10/2020

Crédito: Neiva Motta/ SUSEPE RS

Após quase um ano de mobilização da sociedade civil, os deputados pernambucanos decidiram, nesta quinta-feira (29), manter o veto do governador Paulo Câmara (PSB) ao Projeto de Lei 439/2019, que previa que condenados pagassem pela própria tornozeleira eletrônica. O veto é permanente e foi dado em plenária virtual da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

Num estado onde 80% da população carcerária é preta ou parda, a proposta foi feita não apenas por um parlamentar, mas por dois: Gustavo Gouveia (DEM) e o Delegado Erick Lessa (PP).

Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPU-PE) e Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) se manifestaram, através de uma nota técnica conjunta, pela inconstitucionalidade e ilegalidade do projeto, que, caso tivesse sido aprovado, permitiria inclusive que a cobrança pelo equipamento fosse diretamente descontada da remuneração por trabalho intra ou extra-muros das pessoas condenadas. 

O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) também emitiu ofício ao governador se colocando contra o PL. 

Segundo as instituições, não é de competência do legislativo estadual examinar matérias de direito penal. Trata-se de um assunto reservado à União. Além disso, o PL estabelece a necessidade de pagamento antecipado da utilização da tornozeleira eletrônica, o que, em última análise, abriria a possibilidade de manter uma pessoa presa por uma dívida financeira, evidenciando o aprisionamento da população pobre e agravando o cenário de superlotação do sistema prisional do estado.

Das 30 mil pessoas encarceradas em Pernambuco, aproximadamente 7% tem acesso a trabalho. “Trata-se, mais do que uma inconstitucionalidade, de uma inconvencionalidade, pela violação ao disposto em diversos tratados internacionais de direitos humanos”, diz a nota técnica. 

Entre os argumentos contra o projeto, está o fato de que não apenas o Estado não proporciona trabalho suficiente aos presos e apenados, mas estaria também descaracterizando o trabalho prisional e transformando-o em trabalho forçado. 

Além de que é mais custoso ao erário público manter uma pessoa presa do que fornecer o aparelho de monitoramento. O custo médio de uma pessoa privada de liberdade para os governos estaduais é de R$ 1,8 mil. Por sua vez, Pernambuco tem o gasto de aproximadamente R$ 250 para cada tornozeleira eletrônica.

“Foi uma luta coletiva, uma mobilização de diferentes segmentos por quase um ano, através do Grupo de Trabalho Desencarcera, formado por vários coletivas e também pelas Juntas (Psol) – que presidem a Comissão de Direitos Humanos da Alepe. Foi um esforço de várias mãos e corações e que representa a mobilização da sociedade civil contra o punitivismo e essa lógica de punir que também está no legislativo, que está em toda a sociedade”, comemora Juliana Trevas, advogada e integrante do Liberta Elas, coletivo antipunitivista e abolicionista penal.

A mobilização, através da campanha Liberdade não tem preço, conseguiu enviar cerca de 1,8 mil e-mails contra o projeto, além de ter feito campanhas informativas nas filas do Complexo Prisional do Curado e oficina dentro da Unidade Prisional de Abreu e Lima.

“É uma vitória, mas sabemos que a luta continua porque a privatização do sistema de justiça criminal, assim como outras privatizações, está acontecendo nesse governo com força total”, pontua Juliana. 

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com

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