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Crédito: Neiva Motta/ SUSEPE RS
Após quase um ano de mobilização da sociedade civil, os deputados pernambucanos decidiram, nesta quinta-feira (29), manter o veto do governador Paulo Câmara (PSB) ao Projeto de Lei 439/2019, que previa que condenados pagassem pela própria tornozeleira eletrônica. O veto é permanente e foi dado em plenária virtual da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).
Num estado onde 80% da população carcerária é preta ou parda, a proposta foi feita não apenas por um parlamentar, mas por dois: Gustavo Gouveia (DEM) e o Delegado Erick Lessa (PP).
Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Pernambuco (DPU-PE) e Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB-PE) se manifestaram, através de uma nota técnica conjunta, pela inconstitucionalidade e ilegalidade do projeto, que, caso tivesse sido aprovado, permitiria inclusive que a cobrança pelo equipamento fosse diretamente descontada da remuneração por trabalho intra ou extra-muros das pessoas condenadas.
O Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) também emitiu ofício ao governador se colocando contra o PL.
Segundo as instituições, não é de competência do legislativo estadual examinar matérias de direito penal. Trata-se de um assunto reservado à União. Além disso, o PL estabelece a necessidade de pagamento antecipado da utilização da tornozeleira eletrônica, o que, em última análise, abriria a possibilidade de manter uma pessoa presa por uma dívida financeira, evidenciando o aprisionamento da população pobre e agravando o cenário de superlotação do sistema prisional do estado.
Das 30 mil pessoas encarceradas em Pernambuco, aproximadamente 7% tem acesso a trabalho. “Trata-se, mais do que uma inconstitucionalidade, de uma inconvencionalidade, pela violação ao disposto em diversos tratados internacionais de direitos humanos”, diz a nota técnica.
Entre os argumentos contra o projeto, está o fato de que não apenas o Estado não proporciona trabalho suficiente aos presos e apenados, mas estaria também descaracterizando o trabalho prisional e transformando-o em trabalho forçado.
Além de que é mais custoso ao erário público manter uma pessoa presa do que fornecer o aparelho de monitoramento. O custo médio de uma pessoa privada de liberdade para os governos estaduais é de R$ 1,8 mil. Por sua vez, Pernambuco tem o gasto de aproximadamente R$ 250 para cada tornozeleira eletrônica.
“Foi uma luta coletiva, uma mobilização de diferentes segmentos por quase um ano, através do Grupo de Trabalho Desencarcera, formado por vários coletivas e também pelas Juntas (Psol) – que presidem a Comissão de Direitos Humanos da Alepe. Foi um esforço de várias mãos e corações e que representa a mobilização da sociedade civil contra o punitivismo e essa lógica de punir que também está no legislativo, que está em toda a sociedade”, comemora Juliana Trevas, advogada e integrante do Liberta Elas, coletivo antipunitivista e abolicionista penal.
A mobilização, através da campanha Liberdade não tem preço, conseguiu enviar cerca de 1,8 mil e-mails contra o projeto, além de ter feito campanhas informativas nas filas do Complexo Prisional do Curado e oficina dentro da Unidade Prisional de Abreu e Lima.
“É uma vitória, mas sabemos que a luta continua porque a privatização do sistema de justiça criminal, assim como outras privatizações, está acontecendo nesse governo com força total”, pontua Juliana.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com