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PT no Desenvolvimento Agrário não empolga organizações do campo

Inácio França / 12/01/2019

Foto: acervo MST

Houve um tempo em que a nomeação de um filiado ao PT para comandar uma secretaria encarregada de conduzir a política agrária seria motivo de celebração para os movimentos sociais do campo. Isso, no entanto, faz parte do passado: em 2019, o fato do petista Dilson Peixoto ser o novo secretário estadual de Desenvolvimento Agrário não gerou manifestações de entusiasmo na sociedade civil.

A maior crítica das lideranças do campo – área em que a organização social mais avançou nos últimos anos no Nordeste – não são dirigidas ao nome do secretário, mas à forma “tradicional e fechada” adotada pelo governador Paulo Câmara (PSB) e pelo PT para definir a escolha.

Essa foi uma unanimidade entre as entidades ouvidas pela Marco Zero Conteúdo: havia uma expectativa de diálogo, principalmente depois do apoio explícito do MST e da Fetape à campanha eleitoral de Câmara.

Doriel Barros campo

Doriel Barros

Deputado estadual eleito com quase 67 mil votos, Doriel Barros tem seu a maior parte do seu eleitorado entre agricultores familiares e trabalhadores assalariados do campo. Na posse desse capital político, ele reforça as críticas das organizações sociais:

– A indicação de Dilson Peixoto partiu exclusivamente do senador Humberto Costa (PT). Acredito que, sim, o governador Paulo Câmara deveria ter dado mais atenção aos movimentos sociais que se mobilizaram para ajudar a elegê-lo logo no primeiro turno. As entidades, principalmente o MST e a Fetape, alimentaram expectativas que não foram confirmadas. Agora, eu espero que Dilson leve para a secretaria alguns quadros técnicos oriundos das entidades que podem contribuir bastante.

Conheça um pouco mais da posição de cada uma das organizações do campo:

MST

Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) em Pernambuco, Jaime Amorim não esconde suas ressalvas:

– O anúncio do nome de Dilson nos surpreendeu. Não houve conversa conosco. As conversas devem ter ocorrido no âmbito interno do PT. Poderia ter sido diferente, afinal nós e a Fetape estávamos apoiando a candidatura de Marília Arraes, mas não hesitamos em participar da campanha do governador – afirmou Jaime Amorim.

O coordenador do MST, no entanto, assegura não ter nada contra o secretário, com quem já travou um primeiro contato no início dessa semana e de quem espera que aproveite as propostas que a sociedade civil elaborou nos últimos anos para a reestruturação da Zona da Mata. Jaime acredita que a região tem tudo para se transformar num cinturão verde, produzindo alimentos para todo estado a partir do fomento às cadeias produtivas locais e a iniciativas como agroindústrias comunitárias ou familiares.

Fetape

Apesar de viver no assentamento Poço do Serrote, em Serra Talhada, a presidente da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (Fetape), Cícera Nunes, também acredita que a Zona da Mata deve ser a prioridade do governo estadual:

– Até as igrejas Católica e evangélicas participaram da discussão das organizações sociais que gerou um plano para reestruturar a Zona da Mata, uma região com grandes engenhos improdutivos, abandonados e com dívidas bilionárias junto aos governos estadual e federal.

Cícera também não gostou da falta de diálogo, mas, ao mesmo tempo em que minimiza o fato, faz uma observação ainda mais ácida sobre as gestões do PSB em Pernambuco:

– Em 2006, quando Eduardo Campos foi eleito, as organizações participaram da discussão que tirou Aldo Santos da coordenação do Centro Sabiá e o levou à secretaria executiva de Agricultura Familiar. Depois, ele virou até secretário da Agricultura, mas não aconteceu nada. Em 12 anos de governo do PSB, não houve avanço nenhum para a agricultura familiar em Pernambuco, estamos muito atrás dos outros estados do Nordeste. Quem sabe agora, sem diálogo nem construção coletiva, alguma coisa possa acontecer – ironiza.

ASA

Sobrou diálogo nas gestões anteriores e faltaram resultados concretos. Quem confirma as palavras da presidente da Fetape é Alexandre Pires, coordenador-executivo da Articulação do Semiárido (ASA), a maior rede de organizações do campo no País. Para ele, o maior desafio de Dilson Peixoto será criar uma política estadual de fomento à agricultura familiar em Pernambuco, algo que já é realidade em outros estados da região, a exemplo da Bahia, Ceará, Paraíba e Sergipe.

– Nossa expectativa é que essa política seja construída com as organizações e redes da sociedade civil. Esse construção, porém poderia ter começado no processo de escolha do secretário. Para nós da ASA, seria natural que as lideranças do Partido dos Trabalhadores travassem uma discussão com movimentos, afinal a agenda da secretaria está no seio de uma sociedade civil bastante organizada.

Apesar da crítica, Alexandre acredita que Dilson Peixoto tem compromisso com as causas do “campo popular e democrático”.

Pastoral da Terra

Enfático, o agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Plácido Júnior, diz que o hermético processo de escolha de Dilson é “um retrato do que se transformou o PT”:

– O PT reproduziu os métodos da velha e atrasada política de submeter ao loteamento de cargos uma pasta que deveria ser estratégica para a produção de alimentos saudáveis e enfrentamento da capangagem e do uso indiscriminado de agrotóxicos – afirma Plácido.

Segundo ele, para a Pastoral da Terra, a cúpula do PT se distanciou da discussão com a sociedade, pois deveria ter invertido o processo, chamando as entidades para discutir um projeto, depois formular as políticas para alcançar esse projeto e, por fim, indicar um nome para a secretaria.

Saiba o que pensa o secretário Dilson Peixoto

Dilson Peixoto

Dilson Peixoto

Dilson Peixoto acredita que os movimentos sociais irão se sentir contemplados a partir de fevereiro, quando pretende promover uma seminário de definição de rumos e prioridades com todas as entidades do campo.

– Vamos juntar todo mundo. Espero dar respostas práticas, identificado recursos financeiros disponíveis e como alocá-los. Tenho consciência do tamanho do desafio de dialogar com um setor tão combativo, com resultados tão expressivos. Por um lado, tudo aquilo que for negociado deverá ser considerado como de um peso muito grande para o governador Paulo Câmara. No entanto, será difícil atender a todas as expectativas do setor. Uma coisa tenho de admitir: nunca imaginei atuar como gestor nessa área, já estou vivendo um aprendizado inédito em minha vida, tão ligada às questões urbanas.

Dilson também antecipou algumas das ações que pretende implemetar na sua pasta:

  • Encontrar alternativas para a população que sofre as consequências da redução do cultivo da cana-de-açúcar na Zona da Mata.
  • Implementar R$ 20 milhões já alocados resultantes de convênio com o Banco Mundial e com o Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (Fida) para cooperativas, associações e gestão de estrutura hídrica na Zona da Mata.
  • Realizar a licitação das obras das adutoras que devem levar água para as comunidades distantes até cinco quilômetros dos canais da transposição do São Francisco. Para isso, a secretaria dispõe de R$ 70 milhões.
  • Reforçar a estrutura da gerência de pesquisa de agroecologia do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA).Implementar o Programa Água Doce, do Governo Federal, para garantir água potável para 68 mil pessoas de quase 300 comunidades.
AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.