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Segundo Unicef e FBSP nos últimos três anos, 15 mil tiveram morte violenta 164 mil foram estupradas
Nos últimos três anos, 15.101 crianças e adolescentes, entre zero e 19 anos, foram mortos de forma violenta no Brasil. Além disso, 164.199 foram vítimas de estupro. É o que alerta os dados do Panorama da violência letal e sexual contra crianças e adolescentes no Brasil, elaborado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgado nesta terça-feira, 13 de agosto.
O levantamento, que reúne dados das secretarias estaduais de Segurança e/ou Defesa Social das 27 unidades da federação, revela um contexto de extrema violência contra crianças e adolescentes no país e aponta medidas que o estado deve tomar para enfrentar a situação.
O crescimento de violência no ambiente doméstico e familiar contra crianças de até 9 anos e o aumento do número de mortes de adolescentes em ações policiais são fatores que chamaram atenção dos representantes das entidades responsáveis pelo panorama.
“A participação do estado na morte violenta intencional, pelas forças policiais, sejam elas civis ou militares, é algo que vem chamando bastante. Essa é a segunda maior causa de assassinato dos adolescentes ficando atrás apenas do homicídio doloso”, afirmou Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A taxa de homicídios caiu ao longo dos últimos três anos, mas cresceu a porcentagem de mortes causadas por intervenções policiais. Nos últimos três anos, as mortes de crianças e adolescentes provocadas por policiais passaram de 14% do total de mortes violentas, em 2021, para 17,1% no ano seguinte e alcançaram 18,6% em 2023. Isso significa que, em 2023, quase uma a cada cinco crianças e adolescentes mortos no Brasil foi vítima da violência policial.
MVI significa Mortes Violentas Intencionais, categoria que agrega os seguintes tipos de crime: homicídio doloso, feminicídio, latrocínio (roubo seguido de morte), e lesão corporal seguida de morte.
“Se a gente quer criar uma política de proteção a crianças e adolescentes, a gente precisa falar sobre as mortes por intervenções policiais e pensar sobre políticas públicas e forças de segurança. Os governos precisam endereçar políticas sobre mediação de conflitos e diálogo com esse grupo já que os adolescentes estão sendo violentados de forma tão altamente desproporcional. […] Muitos policiais alegam legítima defesa para justificar a morte, porém é preciso que as investigações ocorram”, disse Bueno ao defender a medida de uso de câmera nas fardas de policiais.
Já os números de estupro contra crianças e adolescentes têm crescido constantemente. Em 2021, foram registrados 46.863 casos de violência sexual, número que aumentou para 63.430 em 2023. Isso significa dizer que, em 2023, uma criança ou adolescente foi vítima de estupro a cada oito minutos no Brasil.
Em relação ao total, os estupros contra meninas foram de mais de 40 mil em 2021 para quase 55 mil em 2023, aumento de 35,5%. Entre os crimes da mesma natureza que vitimaram meninos, o crescimento ficou na mesma ordem, de 36,6%, mas em números absolutos menores: passou de praticamente 6 mil casos em 2021, para pouco mais de 8 mil em 2023. Ainda assim, chama a atenção que todos os anos, crianças e adolescentes do sexo masculino de até 19 anos são mais vítimas de violência sexual do que de mortes violentas intencionais. Entre 2021 e 2023, foram 20.575 vítimas de estupro do sexo masculino e 13.560 vítimas da violência letal também do sexo masculino, considerando a faixa etária zero a 19 anos.
Além disso, as violências sexuais e letais têm atingido cada vez mais as crianças mais novas. As mortes violentas aumentaram 15,2% no caso de crianças de até nove anos de idade e a violência sexual cresceu, em particular, entre meninas e meninos nesta faixa etária. Entre 2022 e 2023, houve um acréscimo de 26,6% nos registros de estupro contra criança de até quatro anos, e de 20,9% entre aquelas na faixa etária de cinco a nove anos.
“Ao longo dos últimos anos o ambiente doméstico ficou mais violento, seja de violência física, de estupro, de negligência e até de assassinato. […] Nós precisamos buscar entender melhor o que de fato acarretou esse aumento, entender as dinâmicas familiares, porque a grande maioria dessas violências são praticadas por pessoas da família”, concluiu Samira Bueno.
De acordo com o levantamento, os registros de violência sexual têm crescido no Brasil, e o aumento tem sido ainda mais expressivo quando se trata de crianças mais novas. Em 2021, foram 17.253 casos registrados contra crianças de até nove anos. Em 2023, o número aumentou e chegou a quase 21 mil o número de crianças desta faixa etária vítimas de violência sexual.
O levantamento aponta que independentemente da idade das vítimas, sempre há uma predominância de pretos e pardos, como enfatiza a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública: “uma criança negra corre o maior risco de ser assassinada do que uma criança branca desde o momento em que ela nasce”.
Nos últimos três anos, a maior parte das vítimas de mortes violentas no Brasil tinha entre 15 e os 19 anos (91,6%), eram pretos ou pardos (82,9%) e do sexo masculino (90%). Dados do relatório mostram que um menino negro entre zero e 19 anos no Brasil tem 21 vezes mais chances de ser morto do que uma menina branca na mesma faixa etária.
Ainda de acordo com os dados, o risco de um adolescente negro ser assassinado é 4,4 vezes maior do que um adolescente branco da mesma idade e a proporção de negros violentados é ainda maior a partir dos 10 anos de idade.
As mortes violentas dos adolescentes acontecem majoritariamente em um contexto de violência urbana armada: a maioria foram mortos fora de casa, em via pública (62,3%), e por pessoas que a vítima não conhecia (81,5%).
Para a oficial de Proteção à Criança do Unicef no Brasil, Ana Carolina Fonseca, é preciso que o Estado tome medidas enérgicas contra a violência de crianças e adolescentes: “Nós podemos listar diversas medidas e soluções que podem e devem ser tomadas, entre elas, o uso das câmeras policiais e demais políticas contra o uso excessivo da força policial; o controle do uso de armamento por civis; o combate ao racismo estrutural, entendendo que toda vida importa e buscando justiça já que os dados mostram que a raça ainda é um fator determinante quando se trata de violência; entender e melhorar o fenômeno da violência doméstica; e melhorar também o registro desses casos pelo Estado para que nós possamos ter dados cada vez mais precisos para construir esse panorama”.
Sobre o último ponto mencionado pela oficial, vale destacar que apenas recentemente os dados de violência sexual se tornaram um indicador de acompanhamento criminal produzido por todas as unidades federativas do país. Em 2021 e 2022, alguns estados não encaminharam ao levantamento os dados com informação de idade simples das vítimas, Pernambuco foi um deles, e também foi o único que permaneceu sem acrescentar essa informação em 2023, se configurando como o único estado a se manter sem este dado. Muitas vezes também faltam informações sobre raça/cor da vítima.
Jornalista e mestra em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco.