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Ratinho Júnior ignora pedido de “misericórdia” do arcebispo e vai despejar sem-terras no PR

Marco Zero Conteúdo / 04/09/2019

Foto: Flickr / Professor Lemos

por Joel Santos Guimarães, de São Paulo

Com o governo do Paraná prestes a iniciar uma série de despejos e reintegrações de posse, o arcebispo de Maringá, dom Anuar Battisti, tomou a iniciativa e decidiu antecipar-se. Em nota ao governador Carlos Massa Ratinho Júnior, pede que este, em vez de autorizar a Polícia Militar a despejar milhares de famílias de camponesas e camponeses que vivem acampados e pré-assentados em terras ocupadas pelo MST, “tenha misericórdia e um olhar fraterno para com essas famílias e busque resolver a questão agrária existente no Estado sem violência”.

Ao que tudo indica, o apelo do arcebispo não sensibilizou o governador, filho do apresentador de TV Ratinho. A assessoria de comunicação do governo paranaense informou que o governador não comentaria nota divulgada pelo arcebispo de Maringá, pois não tinha conhecimento do seu teor, apesar de ter sido publicada em portais locais. A mídia de âmbito estadual ignorou o apelo do bispo.

Foto: Flickr / Ângelo Rigon

Dom Anuar Battisti (Foto: Flickr / Ângelo Rigon)

“Até agora nem sabíamos da existência dessa nota. Só tomamos conhecimento dela agora, em função deste seu telefonema (do repórter) pedindo para falar com o governador. Posso assegurar que o arcebispo não fez nenhum contato pessoal, nem por telefone ou e-mail, com o governador ou mesmo com a Secretaria de Segurança”, afirmou Silvio Lonin, da equipe da comunicação do governo paranaense.

O telefonema a que se refere Lonin teria ocorrido no dia seguinte à nota (29 de agosto) divulgada pelo bispo. O assessor explicou que nenhum governador ordena despejos. Apenas cumpre as decisões da Justiça, quando ela determina que a polícia acompanhe o oficial de Justiça encarregado de cumprir o mandado de reintegração de posse. E, de acordo com ele, a curto e médio prazo não há nenhuma operação de despejo prevista.

Os despejos em 20 dos 74 acampamentos e pré-assentamentos do Paraná devem começar neste mês de setembro e há informações de que mesmo alguns assentamentos também correm o risco de serem despejados. É que existem, segundo João Flávio Borba, coordenador da Escola Milton Santos de Agroecologia, sediada em Maringá, pedidos de reintegração de posse na Justiça de alguns assentamentos. Esta deu ganho de causa aos fazendeiros que se dizem os legítimos donos das terras onde vivem os assentados. No Paraná existem 330 assentamentos localizados em 130 municipios. “Essas pertencem ao Incra, cerca de 25 mil famílias vivem ali e não correm risco”.

Os documentos apresentados que deveriam comprovar a propriedade das áreas assentadas “despertam dúvidas sobre sua legalidade, já que essas terras pertenciam ao Estado, há 60 mil hectares em disputa e essas terras foram griladas e, posteriormente, vendidas pelos grileiros. ”, conta João Flávio, que também é da coordenação estadual do MST.  Ele acredita essas terras devem ser destindas a reforma agrária porque “os títulos de propriedade são nulos”.

Ele espera e torce para que o bom senso prevaleça e o governador Ratinho atenda ao pedido do arcebispo: o governador “me parece ser uma pessoas de boa índole”, afirma. De acordo com o arcebispo, em todos esses casos que a Igreja acompanha, trata-se de terras improdutivas, terras públicas ou então de grandes devedores de impostos da União.

Expulsões e confiscos de galinhas

“Em curto prazo, não, mas em curtíssimo prazo, sim”, confidenciou ao Marco Zero um sargento do 14º Batalhão da PM, sediado em Foz do Iguaçu, no oeste do Paraná. Segundo ele, até o final de setembro, os despejos certamente irão acontecer e “vamos expulsar esse bando de invasores que não respeita o direito de propriedade”, garantiu. De acordo com o policial militar, pelo menos é essa a informação que o pessoal do comando tem passado para a tropa. Os despejos devem começar pelos acampamentos e pré-assentamentos existentes nas regiões de Cascavel, Londrina, Maringá e Pato Branco.

Segundo o sargento, a “nossa turma de Londrina” – referindo-se aos policiais militares do 7º Batalhão – “recentemente expulsou um monte de gente de um assentamento em Lerroville, um distrito de Londrina”.

De fato, no dia 30 de julho, 159 famílias do acampamento Quilombo dos Palmares foram desalojadas por tropas da PM. Os sem-terra haviam ocupado a área em 2015. Lá, vigiados por policiais fortemente armados, os camponeses e camponesas retiraram das casas de madeira os seus poucos pertences, deixando para trás a maior parte da produção já colhida e destinada ao sustento dos acampamentos. De acordo com a coordenação do MST, tirando proveito da situação, alguns policiais teriam “confiscado” parte dessa produção e também algumas galinhas.

Roberto Baggio, um dos coordenadores estaduais do MST, conta que, nos últimos 45 dias, quatro ações de despejo foram executadas em quatro acampamentos do movimento, de onde 400 famílias foram expulsas.

O último deles foi justamente o Quilombo dos Palmares, cujas famílias estão abrigadas hoje no Centro Comunitário do assentamento Eli Vive, localizado a três quilômetros do acampamento.

Já as famílias de sem-terra expulsas pela PM e que não encontraram abrigos nos centros sociais das cidades próximas aos assentamentos passam fome, dormindo nas ruas e nos bancos de praças dessas localidades. Os despejados procuram emprego e não encontram.

Ao comentar o pedido de misericórdia que o arcebispo fez ao governador, o dirigente do MST Roberto Baggio disse que Dom Anuar é um progressista e, por isso, pauta a sua ação pastoral em defesa dos oprimidos. Baggio espera que o governador se sensibilize com o clamor feito pelo arcebispo e seja misericordioso e, em vez de autorizar despejos, comece a pensar em maneiras de promover a imediata regularização dessas áreas, como defende o arcebispo.

Estratégia do medo

Os coordendores do MST lembram que esse clima de tensão e medo nos acampamentos faz parte de uma estratégia da PM para convencer pelo menos uma parte dos acampados a saírem espontaneamente da área por medo da truculência da PM paranaense. João Flávio conta que nos acampamentos existentes no norte do Paraná os camponeses “estão bastante preocupados e receosos de que venham a ser desalojados”.

Nas áreas ameaçadas, eles não escondem o medo e, durante o trabalho na lavoura, os comentários sobre a safra que virá são substituídos por conversas em que um camponês pergunta ao companheiro quando ele acha que a polícia vai chegar.

De acordo com os relatos dos agricultores e agricultoras, quando aviões da PM dão rasantes sobre as áreas dos acampamentos crianças entram pânico e choram. As mais novas correm para o colo de suas mães. E a esperança de ficar na área ocupada parece estar indo embora, seguindo a poeira levantada pelas viaturas da polícia quando passam pelas proximidades dos acampamentos.

Apelo para evitar tragédia anunciada

Pessoas próximas ao arcebispo dizem que o clamor do bispo, em favor dos sem-terra, foi uma tentativa de evitar uma tragédia anunciada, diante do risco de um confronto entre os sem-terra e a polícia militar. Em alguns assentamentos, os sem-terra prometem reagir a qualquer tentativa de expulsá-los.

Em trecho da nota ele pede “orações aos moradores e trabalhadores que estão em áreas de acampamentos e assentamentos rurais no Paraná. Temo pelo clima de medo que tem se instalado frente às ameaças de despejo, sendo que essas famílias não têm outro lugar para viver com dignidade”.

Em outro trecho, ele deixa clara sua opinião: “este assunto não pode ser discutido com preconceitos ideológicos ou partidários. É, sobretudo, uma pauta da vida humana”.

Dom Anuar acredita que se os novos despejos forem realizados a partir de setembro possa se repetir o que aconteceu, em 2007, no município de Pinhão, no centro sul do Paraná. Lá, a PM em uma ação de despejo para retirar as 100 famílias que ali viviam há mais de 25 anos em duas comunidades rurais, utilizou tratores para destruir casas de alvenaria, escola, padaria comunitária e a igreja.

“Vamos nos colocar no lugar dessas famílias e imaginar o que elas estão sofrendo. Não queremos que isso se repita. Peço a oração do Povo de Deus e misericórdia dos governantes e do poder Judiciário”, clama o arcebispo.

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