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14 de agosto de 2019. Milhares de mulheres, as Margaridas, marcharam no dia 14 de agosto em Brasilia por direitos no campo, autonomia das mulheres e democracia. Crédito: Inês Campelo/MZ Conteúdo
Por Carmen Silva*
O debate eleitoral de 2022, assim como nas últimas eleições, tem colocado em evidência a questão da representatividade. Nada mais necessário, uma vez que o sistema político brasileiro não está organizando a partir da ideia de enfrentar o problema da sub-representação de setores populares, mulheres, pessoas negras, povos indígenas, deficientes, jovens e todas as pessoas que vivem em condições desiguais. Nada mais acertado com o espírito do tempo. Desde o assassinato político da vereadora carioca Marielle Franco, o enfrentamento da sub-representação pela via eleitoral tem se fortalecido. Mas hoje, vou puxar o debate para o outro polo: a questão programática. Sim, porque não basta representar identitariamente, é preciso defender posições programáticas que enfrentem as desigualdades que as pessoas a serem representadas vivem.
Nas eleições no Brasil, e em particular, em Pernambuco, temos várias candidaturas de mulheres para o parlamento estadual e federal, entre elas mulheres negras, também temos muitas candidaturas oriundas da classe trabalhadora, várias ligadas a movimento sociais: sem terra, sem teto, sindical, de mulheres, lgbt, negro… e, nelas, podemos verificar compromissos assumidos com as causas às quais se vinculam.
Para a eleição majoritária no Estado, senado e governo, também se sobressaem candidaturas de mulheres, embora a maioria seja de homens. Convém examinar que ideias e propostas estão sendo defendidas por estas candidaturas, a quais programas partidários estão vinculadas, com quem se aliam, para podermos ir além da escolha baseada na representatividade de gênero, que é importante, e fazermos escolhas programáticas, ou seja, apoiar as candidaturas que, por sua trajetória e por seus compromissos atuais, nos parecem mais próxima das causas de justiça social que defendemos. Se aliam a isso a representatividade de gênero, raça e classe, muito melhor.
O movimento feminista tem acumulado plataformas, ao longo das eleições desde o período da redemocratização pós ditadura militar, com as quais tenta firmar compromissos das candidaturas de esquerda por ocasião dos pleitos. Vou expressar aqui uma síntese não muito rigorosa, a fim de dialogar com leitores e leitoras sobre suas escolhas.
Um primeiro compromisso demandado à candidaturas que desejam o apoio feminista é que elas se comprometam a lutar para que todo mundo, a sociedade, veja que as relações sociais que conferem maior valor e maior poder para os homens em todos os âmbitos da vida, em detrimento das mulheres, não são obra da natureza, são um problema social, uma injustiça. E, ainda mais, que além do patriarcado, o racismo também é estruturante e faz com que as mulheres negras vivam em condições bem piores, em lugares segregados, com pouquíssimas possibilidades de trabalho e renda, e submetidas à violência do Estado. Tudo isso sustenta o sistema capitalista. Por isso, a uma campanha do campo de esquerda, popular e democrático, cabe assumir o desafio de mudar esta realidade, seja pela atuação no parlamento, seja no poder executivo.
Daí você pode pensar que eu quero muito: a partir do âmbito do legislativo não dá pra mudar o mundo. Mas, ter esse compromisso faz com que todas as proposições legislativas, fiscalizações e pronunciamentos a serem feitos nos mandatos sejam pautados por aí. É isso que esperamos de deputados/as estaduais e federais comprometidos/as com os movimentos sociais e, especialmente, com o movimento feminista. Isso exige um mandato (ou uma mandata) engajado nas lutas e perspectivas que os de baixo estão construindo. Esse apoio é valioso e fortalece a luta das mulheres.
Um outro compromisso é com um modelo de desenvolvimento para Pernambuco. É preciso ter uma proposta que gere envolvimento (participação) e que comtemple o enfrentamento das condições de vida às quais a maioria das mulheres estão submetidas. Defender o fortalecimento da economia, para nós, só é possível com justiça socioambiental andando junto. As mulheres que produzem e fazem alimentos saudáveis devem ter políticas e financiamentos adequados, assim como aquelas que vivem no trabalho informal nas cidades, e que são majoritariamente negras.
É necessário rever o arcabouço institucional da participação popular construído no último período. Ele não se mostrou suficiente para a democratização das decisões sobre políticas públicas garantidoras de direitos, sobre a economia e grandes projetos de desenvolvimento que impactam fortemente os modos de vida de populações tradicionais e também os territórios urbanos. Precisamos de mandatos que se comprometam com a perspectiva de impulsionar a democracia direta e a reestruturação do sistema político brasileiro.
As políticas sociais integradas para enfrentar a pobreza e a violência sexista também devem ser um compromisso dos mandatos. E isso diz respeito tanto à proposições legislativas quanto à fiscalização das ações do poder executivo. Para que as políticas para mulheres sejam implementadas, além do movimento social pressionando, precisamos do apoio dos mandatos populares. Por este caminho podemos enfrentar o aumento exorbitante do encarceramento das mulheres negras, o abandono dos seus filhos perdidos para a “política de guerra às drogas”, o crescimento da morbimortalidade materna, em especial causada por abortos feitos clandestinamente, neste país que criminaliza as mulheres que decidem sobre suas vidas.
Por fim, o que dizemos para as candidaturas ao parlamento, serve também para as candidaturas majoritárias ao Senado e ao Governo de Pernambuco. Este ano, nós eleitores e eleitoras, escolheremos apenas uma pessoa para o Senado, e temos candidaturas que aliam representatividade e compromisso político, o que torna mais fácil a escolha. Teremos também a difícil tarefa de escolher o governo do Estado, mas sobre isso falaremos na próxima quinzena. Eu, como muita gente do campo democrático e popular, de esquerda, estou refletindo muito sobre as alternativas que estão postas, e também sobre a ausência delas.
*Carmen Silva é socióloga, constrói o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.
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