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Workshop da Unicap. Foto: Maria Carolina Santos/MZ
O caos em que se transformou a Avenida Conde da Boa Vista tem solução? O novo projeto de requalificação da via, por onde passam 310 mil pessoas diariamente, é a resposta dada pela Prefeitura do Recife. As obras, iniciadas no começo do mês, vão ser realizadas trecho a trecho até outubro do ano que vem. É de encher os olhos: serão 20 e não mais 14 paradas de ônibus. Uma malha cicloviária nas ruas vizinhas vai cruzar pontos da avenida (projeto ainda não apresentado). As travessias serão elevadas e vão subir de cinco para treze. As imagens da projeção incluem muitas árvores (90 devem ser plantadas, diz o projeto), passeios largos e 135 grandes jarros de flores. Mas um componente foi deixado de lado no projeto de R$ 15 milhões: os ambulantes que hoje dominam boa parte das calçadas da avenida.
A crise econômica fez o número de vendedores da via explodir nos últimos anos. Hoje, são pelo menos 324 ambulantes ao longo de 1,6 quilômetro. O projeto da bela e nova Conde da Boa Vista prevê espaço para apenas 50 deles, em fiteiros fixos. E por um bom tempo a prefeitura não quis abrir mão deste número. Mas finalmente se abriu para o diálogo.
Pesquisa revela perfil socioeconômico de ambulantes da Conde da Boa Vista
Representados pelo presidente do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal (Sintraci) Edvaldo Gomes, os ambulantes debateram ontem em audiência pública na Câmara dos Vereadores do Recife com o secretário de Mobilidade e Controle Urbano João Braga, a professora da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) Paula Maciel e o engenheiro da Emlurb Antônio Valdo formas de garantir uma avenida organizada ao mesmo tempo que integra os camelôs. O vereador Ivan Moraes (Psol) propôs e presidiu a audiência, que ocorreu em tom absolutamente conciliatório.
Foi o início do que deve se estender por meses. De acordo com o engenheiro da Emlurb Antônio Valdo, as obras na avenida só devem atingir os ambulantes em janeiro. Os dois lados – prefeitura e ambulantes – reconhecem que terão que ceder.
Na audiência foi apresentado o resultado de dois dias de workshop realizado pela Unicap em conjunto com o Sintraci. Reunindo profissionais e estudantes das áreas de arquitetura, urbanismo e comunicação, o workshop trouxe algumas ideias que podem ser desenvolvidas ao longo das futuras reuniões para se decidir o destino dos ambulantes.
Algumas das sugestões da Unicap são de aplicações mais fáceis, como a inclusão de pequenos fiteiros nas paradas de ônibus, assim como acontece na Praça do Derby. Outras demandam investimento do poder público, como a criação de um shopping popular em uma das esquinas com a Rua da Soledade. “Para garantir o fluxo de pessoas no local, seria necessário haver a presença de um serviço âncora, como um Expresso Cidadão. Os ambulantes ficariam dentro do terreno, no caminho das pessoas até o local”, explicou na audiência a professora da Unicap e arquiteta Clarissa Duarte.
Outras propostas da Unicap envolvem o conceito de gentileza urbana, quando um empreendimento cede uma área privada para uso público. A universidade, inclusive, é um dos exemplos disso no Recife: cedeu um espaço próprio para que as calçadas em um trecho com ambulantes e parada de ônibus fosse alargado. Com isso, os estudantes que usam ônibus serão beneficiados com mais conforto, assim como os dois fiteiros que existem no local. Mas como convencer o empresário a ceder um pouco do seu espaço para um bem comum?
“O primeiro passo é uma compreensão coletiva das perdas e ganhos, direitos e deveres de cada parte. Uma diretriz muito importante é que equipamentos de uso semi-público (propriedade privada, com uso público) revejam a forma de desenhar suas calçadas para uma forma mais cidadã, mais coletiva. Inclusive para o próprio benefício: um hospital, por exemplo, não gosta de ver sua calçada com um comércio popular desordenado. Por outro lado, a gente sabe que o hospital precisa deste serviço. Todos querem limpeza, todos querem organização, uma cidade bonita. Se existe o entendimento de que não se trata um equipamento comum, não é só um polo gerador de viagens de carros, mas de pessoas e pedestres, tudo muda”, acredita.
Exemplos formais de gentileza urbana, como o da Unicap, não são comuns no Recife. Mas os exemplos informais são muitos. Um deles é a calçada da loja Riachuelo na própria Av. Conde da Boa Vista. “Tem horas em que ela está mais vazia, tem horas em que está mais ocupada. Em alguns momentos os comerciantes se utilizam um pouquinho do recuo frontal da loja”, avalia Clarissa.
Clarissa Duarte cita também os exemplos de food trucks e de barracas de comida em recuos frontais. “Há um acordo com os comerciantes. E qual o saldo positivo disso? É muito melhor um comerciante com cadeiras utilizando aquele espaço do que carros estacionados. O carro estacionado no recuo frontal é ruim porque não tem área de escoamento, o entra e sai atrapalha o trânsito e arrisca a passagem do pedestre na calçada”, enumera.
Nas ideias da Unicap pensadas para a Boa Vista há propostas de gentileza urbana nas áreas do colégio São José e Fafire, também na área da Autarquia de Urbanização do Recife (URB). Para o prédio público, foi pensada a cessão de 2 metros de largura ao longo do Beco do Estudante, passagem de pedestre rente à URB.
A professora, no entanto, destaca a importância de se ter ordenamento e controle urbano. Sem garantir a inclusão de um número de ambulantes a mais, mas adiantando que vai levar em consideração as propostas da Unicap e participar das reuniões com os representantes dos ambulantes para chegar em um acordo, o secretário João Braga afirmou que o controle é o mais importante.
“Não adianta a Unicap ceder um espaço do seu próprio terreno para garantir paradas de ônibus mais largas e a passagem dos pedestres se depois vai chegar mais ambulantes”, disse, na audiência, convocando o Sintraci para ajudar na tarefa de fiscalização.
Para o vereador Ivan Moraes, a audiência foi bem sucedida. “Mudou a postura da prefeitura de uma forma importante. Os trabalhadores e trabalhadoras mostraram que têm capacidade de fazer protesto, mas que também têm capacidade de sentar na mesa, propor, dialogar. A prefeitura está se dispondo a não bater mais na tecla dos 50 (número inicial de ambulantes para a avenida), dizendo que quer ouvir, que quer aprender. A Unicap chegando com a expertise técnica. A disposição do Sinditraci de abrir mão, de estabelecer direitos e deveres. Agora vamos definir um cronograma de reuniões”, comemorou.
O projeto completo da requalificação da Avenida Boa Vista está disponível no site http://novacondedaboavista.recife.pe.gov.br
Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org