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Voluntários vão ao agreste pernambucano construir cisternas

Géssica Amorim / 18/08/2022
no centro de um círculo de cimento ainda úmido, homem vestindo calça clara, camisa azul clara e chapéu de palha de abas largas, faz medição usando um pequeno instrumento chamado nível, apoiado sobre uma estava de madeira.

Crédito; Géssica Amorim/Coletivo Acauã

Publicado em parceria com Coletivo Acauã

A organização não governamental Habitat para a Humanidade Brasil acaba de construir quatro cisternas para o armazenamento de água de quatro famílias do povoado do Chicão de Cima, zona rural do município de Riacho das Almas, no Agreste pernambucano. Até aí, nenhuma novidade, afinal há décadas a cisterna é a tecnologia de água de chuvas mais utilizada pelas ONGs que atuam no semiárido.

A novidade, neste caso, é que as cisternas foram construídas por voluntários que vieram de São Paulo, Brasília, Recife e da Alemanha.

As ações da Habitat Brasil são realizadas principalmente com o apoio de empresas parceiras, que arcam com todos os custos das obras e também encaminham os seus funcionários para o voluntariado. Os trabalhos no povoado de Chicão de Cima foram financiados pela empresa alemã Wilo, que atua no mercado de fabricação de bombas e sistemas de bombas para o abastecimento de água há mais de 150 anos e está no Brasil desde 2011. 

Os funcionários da empresa que aceitaram o convite para fazer parte do grupo de voluntários da construção das cisternas em Chicão de Cima vieram de cidades do estado de São Paulo, de Brasília, do Recife e também da Alemanha. Toda a equipe ficou hospedada em um hotel na cidade de Caruaru, a cerca de 25 quilômetros de Riacho das Almas.

No povoado Chicão de Cima, as quatro cisternas construídas entre a  segunda, 8 de agosto, e a sexta-feira, 12, irão beneficiar as famílias das agricultoras Ednalda Palmeira, Lucenilda Maria de Lima, Edjane Maria da Silva e Cícera Maria, que ainda não têm acesso a água encanada. Elas dependem de uma cisterna comunitária, abastecida três vezes por mês pelo caminhão-pipa do Exército, que cede, por dia, um balde de até 20 litros de água para cada pessoa das famílias que precisam utilizar o  reservatório. 

Edjane Maria tem 29 anos e mora em Chicão de Cima com o marido e  três filhos. A agricultora conta que vive no povoado desde que nasceu e nunca teve água encanada em casa. Para tomar banho, cozinhar,  lavar roupa e realizar outras atividades domésticas, a família de Edjane utiliza a água da cisterna abastecida pelo Exército ou busca a água de um barreiro localizado a quase um quilômetro de casa, que é tratada com hipoclorito de sódio distribuído por agentes de saúde do município de Riacho das Almas. “A gente sofre muito no verão. No inverno, o Exército ainda traz água pra gente. Conseguimos um balde de água por pessoa pra fazer tudo em casa. Aqui, somos cinco, temos direito a cinco baldes, mas pegamos só quatro, que o outro já fica pra outra pessoa que pode precisar de  mais água. Mas, com a cisterna, agora, vai facilitar. É uma benção de Jesus, porque andar pra ir buscar água no barreiro com uma carroça de mão é muito sofrimento”. 

Perto da casa de Edjane, moram a dona de casa Cícera Maria, 33, e o seu filho, Gustavo, de 11 anos. Cícera também precisa da água da cisterna coletiva do povoado. Todos os dias, ela consegue retirar do reservatório dois baldes de água, que utiliza exclusivamente para cozinhar e beber. Para lavar roupa, louça e tomar banho, por exemplo, utiliza a água de um barreiro que fica bem perto da sua casa. Para tratar essa água, a dona de casa também usa o hipoclorito. 

Desempregada, Cícera sustenta a casa e o filho apenas com o valor que recebe do Auxílio Brasil. O pai de Gustavo, não contribui com a constância que deveria para ajudar com os custos da criação do menino.  A construção da cisterna traz para mãe e filho um alívio pelo menos na questão que diz respeito aos problemas com a falta de água. “Estou feliz com a cisterna. Vou ficar mais feliz ainda quando ela estiver cheinha. Aqui é um sufoco por água. A do Exército eu deixo só pra beber e cozinhar. Pro resto, eu tenho que descer até o barreiro e trazer os baldes numa carroça de mão. Com a cisterna aqui do lado, vai ser um alívio”. 

Voluntários iniciam construção de cisterna em Riacho das Almas. Crédito: Géssica Amorim/Coletivo Acauã

A engenheira responsável, Luciana Macário Simões, de 50 anos e 25 de carreira, trabalha na Habitat Brasil como coordenadora construtiva há pouco mais de dois anos. O trabalho com a organização tem feito Luciana enxergar a sua profissão de modo diferente, mais humano.  “No meu entendimento, trabalhar na Habitat é um presente. Com 20, 30 anos de carreira, você acha que já viveu tudo na profissão e, trabalhar construindo essas cisternas, ou fazendo outros reparos nas casas de pessoas que precisam da nossa ajuda,  me faz pensar que estou começando hoje na engenharia. Me dá a mesma força, o mesmo gás de aprender e fazer tudo dar certo. Me torno uma engenheira social. Não é o concreto pelo concreto. É o concreto pela família, pela ação, por pessoas que ainda não conseguem pagar por esse serviço”.

Ao lado de Luciana, trabalha a coordenadora de voluntariado e mobilização de recursos Rebecca Portela de Melo, que é socióloga e integra a equipe da Habitat Brasil desde 2017. O trabalho na organização também mudou a forma como ela enxerga o próprio trabalho e como se relaciona com os conhecimentos acadêmicos que adquire enquanto doutoranda na área em que se graduou. “Eu tenho muito acesso aos dados e à literatura, sendo socióloga, e, estar aqui, trabalhando nesse projeto, é colocar rosto, nome, em todos aqueles números, aqueles dados frios com que eu tenho contato. É me deixar sensibilizar ainda mais pela vivência, a partir da observação, estando diante dessa realidade. O desenvolvimento social, a diminuição da desigualdade que eu busco na vida acadêmica, eu encontro aqui e coloco, mesmo, nomes, rostos, idades e endereços a partir dessa vivência que a Habitat me proporciona”. 

Para construir uma cisterna, os custos variam de acordo com o tamanho e os materiais escolhidos. Os reservatórios construídos em Chicão de Cima têm capacidade para armazenar até 16 mil litros de água e são feitos de placas de cimento. Segundo a Habitat Brasil, na construção de cada uma, contando com a logística, mão de obra dos pedreiros que lideraram as equipes de voluntários e a compra dos materiais, foram gastos pelo menos R$ 6 mil 

Ao todo, sete pessoas integraram o grupo de voluntários, que foi dividido em equipes que trabalharam simultaneamente, desenvolvendo cada etapa da construção das cisternas nas casas das famílias beneficiadas.  

Durante a semana, os trabalhos foram realizados da seguinte maneira: na segunda pela manhã, os voluntários chegaram a Chicão de Cima e foram apresentados aos moradores e aos pedreiros com quem iriam trabalhar e de quem iriam receber as orientações. Iniciaram, então, a produção de 63 placas de cimento para o levantamento da cisterna e de outros 21 conjuntos de placas para a cobertura do reservatório. O trabalho durou até o final da tarde, quando as placas foram postas para secar. Na terça, as obras seguiram com o início da montagem das placas e a construção da calha para o telhado. Na quarta-feira, os pedreiros e voluntários seguiram com a montagem e amarração das placas de cimento. Os reservatórios começaram a tomar forma. O reboco das paredes e as bases das cisternas foram feitos na quinta, pela manhã. À tarde, as laterais foram aterradas com a areia do local que foi escavado para abrigar cada reservatório. Na sexta-feira, foram feitas a impermeabilização e a instalação dos canos e da bomba manual. As cisternas estão prontas.

Ainda na sexta, foi realizada a cerimônia de entrega às famílias de Edjane, Cícera, Ednalda e Lucenilda. Os pedreiros contratados pela Habitat Brasil para orientar os trabalhos dos voluntários são trabalhadores locais. Todo o material usado na obra, desde equipamentos de segurança, passando por produtos alimentícios, a equipamentos de segurança, também foi comprado de comerciantes do município de Riacho das Almas.

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