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Juntas inauguram nova forma de fazer política na Assembleia Legislativa

Débora Britto / 09/10/2018

adalgisasaberturaA eleição das Juntas, candidatura coletiva composta por cinco mulheres de diferentes áreas e regiões de Pernambuco, inaugura uma nova forma de fazer política na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe). O fenômeno inédito no estado teve uma campanha explosiva e obteve vitória com mais de 39 mil votos, que surpreendeu até as codeputadas. O expressivo resultado aponta para um desejo de renovação do modo como a política é tradicionalmente feita e entendida pela população, que terá a partir de 2019 uma Assembleia com dez mulheres.

Passado o momento de disputar votos nas ruas, as codeputadas vitoriosas já se preparam para as trincheiras dentro do Legislativo. Conscientes do tamanho do desafio, uma das preocupações das eleitas é garantir que a Alepe reconheça a condição de codeputadas, inclusive com reconhecimento do termo. “Vamos fazer um diálogo para modificação do regimento da Alepe para sermos reconhecidas. A gente vai chegar com diálogo, mas a gente vai chegar com poder para discutir a questão da deputância. A gente vai ser uma cadeira em meio a 49, sabemos da pressão que vai vir enquanto não formos maioria”, explica Robeyoncé Lima, advogada trans e codeputada pelas Juntas.

Para ela, a eleição do projeto das Juntas tem o poder também de abrir espaço para inspirar outras candidaturas de mulheres e progressistas. “A gente espera que esse mandato inspire outros mandatos coletivos para 2020, do mesmo jeito que a gente se inspirou em Áurea Carolina (vereadora de Belo Horizonte pelo Psol, deputada federal eleita por Minas Gerais). A gente espera conseguir, de certa forma, empoderar as pessoas. Imagina uma vereança coletiva em Araripina. Isso vai ser revolucionário. A gente está aí para mudar essa história e estamos fazendo história”.

“A nossa principal diferença é o poder popular. As pessoas acreditaram porque se viram em nós, nos nossos corpos diversos. O que mais marcou foi isso. Uma figura só não pode representar uma sociedade tão diversa”, analisou Katia Cunha, codeputada eleita pelas Juntas, professora de Igarassu.

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Kátia Cunha na celebração das Juntas. Foto: Wakko Nobre

Para Katia, que nasceu em Goiana, cidade da região metropolitana, mas com ares de interior, boa parte da população está insatisfeita com o modo tradicional de fazer política, mas como nada de novo aparecia, permaneciam sem esperanças. As Juntas, para ela, foi uma inspiração para muitas pessoas. “Era muito fácil conquistar o voto quando dizíamos que a gente abria mão da questão do salário diferente para dividir e todas ganharem igual. A receptividade foi muito boa quando a gente falou dessa forma nova de fazer política. Todo mundo abraça, se sente representada”, comemorou.

Mandata coletiva na prática

Jô Cavalcanti, trabalhadora do comércio informal, foi quem apareceu nas urnas com o número 50.180 e quem irá oficialmente responder pela cadeira, uma vez que não existe na Alepe o precedente para reconhecer as cinco mulheres como codeputadas. A ideia, no entanto, é que todas sejam reconhecidas e possam ter acesso às sessões e plenárias na Assembleia. Para Jô, a missão das Juntas será de fiscalizar o poder público e o governo de Paulo Câmara (PSB), reeleito, em questões fundamentais para as mulheres, a exemplo do direito à moradia e educação. Mas não devem ficar apenas aí, pois já vislumbram a proposição de projetos de lei que qualifiquem e garantam melhorias de vida à população sem teto, com a questão da regularização fundiária.

A codeputada, que vende capinhas de celular na avenida Conde da Boa Vista, no centro do Recife, e que ocupará gabinete e cadeira na Alepe, conta com emoção do sentimento de orgulho e do compromisso com o projeto das Juntas. “Escutei as pessoas dizendo que eu deixaria de ser ambulante para ser deputada. Eu tenho uma história no comércio informal, meu trabalho é ambulante, até porque o mandato é de quatro anos e isso passa, mas meu trabalho fica”, conta.

Pautadas pela lógica da coletividade e horizontalidade, a mandata coletiva – como vem sendo denominada – das Juntas se dividirá em eixos a partir de campos de atuação e incidência. Funcionará como uma engrenagem em que todas as partes atuam em conjunto e precisam estar em sincronia, explica Carol Vergolino, produtora cultural e uma das Juntas.

Os eixos comunicação, jurídico, pesquisa e mobilização serão coordenados por cada uma das codeputadas. Todas as decisões serão debatidas e compartilhadas por todas. Além disso, haverá um conselho político que vai propor, orientar a mandata composto pelos movimentos que construíram a candidatura – entre eles o MTST, Partida, Sintraci (Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comércio Informal do Recife), movimento LGBT e outros.

Esse novo jeito de fazer política pode assustar quem desconhece outras experiências, mas as Juntas apostam e já vem se preparando para ocupar uma cadeira na Alepe. “É muito forte nossa eleição porque é como se as pessoas estivessem querendo que existisse uma alternativa, porque essa representatividade política dos homens brancos faliu. É aí que quando a gente mostra que outra forma é possível as pessoas acreditam e entendem. Isso quer dizer que somos muito mais do que 39 mil”, diz Carol.

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Kátia Cunha, Jô Cavalcanti (centro) e Robeyoncé Lima.Imagem: Wakko Nobre

A mais jovem das Juntas, Joelma Carla, com 20 anos é a mais nova codeputada a ocupar a Alepe, mas articula com desenvoltura as principais necessidades para construir propostas e projetos que atendam à diversidade dos jovens em Pernambuco. “Construir a política pública pra mim sempre foi difícil por ser do interior, mas também necessário. Estou preparada para isso e quero estar junto às juventudes porque elas é que vão modificar esse país. Nossa sociedade ainda nos vê como um problema, mas a gente é fundamental para a democracia”, defende.

Outra política é possível

Em um dos momentos mais emocionantes da celebração da vitória, a multidão que se reuniu no comitê das Juntas domingo à noite assistiu à quebra do “protocolo” para escutar a mãe de Robeyoncé, ali representando muitas das famílias tradicionais brasileiras. Com orgulho pela vitória alcançada pela filha, falou ao microfone com mistura de timidez e urgência. “Vou defender a minha filha e todas as outras mulheres como ela”.

Para a codeputada, ainda vai precisar de um tempo para entender com a mãe ao certo o que aconteceu. “Ela não imaginaria que a filha dela seria deputada. Minha mãe é empregada doméstica, é como se fosse uma coisa tão distante, então é aquela coisa que colocam na cabeça das pessoas mais carentes de que esses espaços são os espaços que não nos pertencem”, reflete Robeyoncé.

Na terra em que um sobrenome garante eleição sem esforços para herdeiros, a família Lima, do Alto de Santa Isabel, é exemplo de uma outra forma de fazer política que tem como centro as vidas e corpos de mulheres diversas que não abaixam a cabeça.

Prestação de contas

Segundo a prestação de contas disponível no portal DivulgaCand, a Juntas teve, até a segunda-feira (8) um total de R$ 38.987,73 – desse valor, a maior parte veio do fundo partidário (R$ 24.636,09), com financiamento coletivo arrecadaram R$ 8.126,00, e R$ 6.225,64 por meio de doação de Pessoas Físicas. A campanha executou R$ 26.991,87.

AUTOR
Foto Débora Britto
Débora Britto

Mulher negra e jornalista antirracista. Formada pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), também tem formação em Direitos Humanos pelo Instituto de Direitos Humanos da Catalunha. Trabalhou no Centro de Cultura Luiz Freire - ONG de defesa dos direitos humanos - e é integrante do Terral Coletivo de Comunicação Popular, grupo que atua na formação de comunicadoras/es populares e na defesa do Direito à Comunicação.