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Foto: Instagram/Áureo Cisneiros
A edição de estreia do Diário Oficial de Pernambuco deste ano, publicado na terça-feira (5), inaugurou um novo tempo no estado. Pela primeira vez, desde a redemocratização, um servidor público e líder sindicalista foi demitido. O bacharel em direito, Áureo Cisneiros Luna Filho, 49, foi expulso da polícia civil, onde exercia o cargo de comissário desde 2003.
A última vez que algo parecido havia acontecido, segundo lideranças de movimentos sociais, foi em 1980, na gestão de Marco Maciel durante a ditadura militar, com o então presidente do Sindicato dos Professores do Estado, Paulo Rubem Santiago.
O motivo da demissão de Áureo, de acordo com a publicação oficial, é que servidor público teria ido de encontro à Lei 6.425/72 que trata da disciplina exigida aos membros da polícia civil, mas especificamente ao artigo que condena a reincidência na prática de transgressões disciplinares.
“Foi falta de sensatez e muita covardia Paulo Câmara (PSB) assinar essa demissão. Esse gesto diz muito não só contra mim, mas contra o sindicalismo de Pernambuco. Hoje fui eu, e amanhã quem será?”, questiona Áureo, que é presidente da Federação Nordestina dos Policiais Civis.
Embora se diga surpreso com a demissão, o próprio Áureo contabiliza 18 processos administrativos contra ele. Pelos seus cálculos, já foi condenado em seis com punições que chegaram a suspensão de 180 dias. A Secretaria de Defesa Social (SDS) confirmou 21 ações contra o policial.
Em conversa com a Marco Zero, nesta quarta-feira (6), enquanto finalizava um mandado de segurança para tentar reverter sua situação, o ex-presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol) se disse perseguido pelo governo.
Como você recebeu a notícia da sua demissão?
Fazia muito tempo que a demissão estava na mesa do governador, mas me pegou de surpresa a publicação, a primeira do ano. Foi falta de sensatez e muita covardia Paulo Câmara (PSB) assinar essa demissão. São 18 processos contra mim por mostrar as condições do IML, criticar o Pacto pela Vida e por organizar a maior paralisação de policiais para reivindicar melhores condições de trabalho. Por isso, é uma demissão arbitrária que simboliza muito para todo o sindicalismo pernambucano e prova que o PSB não faz uma gestão de esquerda nem de centro-esquerda, há uma clara perseguição.
Você pretende recorrer dessa decisão e voltar para a polícia civil?
Com certeza. Estamos entrando com um mandado de segurança contra essa injustiça do governador. Ao mesmo tempo, vamos organizar mobilizações com a direção do PSOL para mostrar à toda sociedade o que está acontecendo. Na próxima segunda-feira, às 10h, no monumento Tortura Nunca Mais [bairro de Santo Amaro] realizaremos um ato de repúdio a essa perseguição de Paulo Câmara aos sindicatos. Hoje fui eu, e amanhã quem será?
E a luta sindical como fica depois dessa decisão de demiti-lo?
Atuo no movimento sindical há 10 anos. Entrei por causa do descaso que vivia no ambiente de trabalho, a falta de valorização dos policiais civis e, na época, o sindicato era do lado do governo. Conseguimos tirar do poder um grupo político que comandava o Sinpol há 26 anos. Conquistamos grandes vitórias para a categoria, uma delas foi o reajuste salarial que variou entre 60% e 70%, tínhamos o segundo pior salário entre os policiais civis do Brasil. Fiz meu sucessor e permaneço no Sinpol como diretor de comunicação e imprensa. A luta continua.
Você é filiado ao PSOL, inclusive foi candidato a deputado estadual e a vereador do Recife nas últimas eleições. Você acredita que sua demissão tem relação com essa oposição político-partidária ao PSB?
Sim. Desde o tempo de estudante de história na UPE [início dos anos 2000] participava do movimento estudantil. Em Vicência, minha cidade, acompanhava reuniões de sindicatos de professores e trabalhadores rurais, fui também repórter comunitário. Então sempre tive esse lado progressista. Quando vim para Recife, em 2011, filiei-me ao PSOL e trouxe a bandeira da segurança pública para o debate, mas do ponto de vista contra-hegemônico, não defendendo fuzil, mas educação, cultura, esporte e combate à desigualdade social como saída para resolver a violência. Tudo isso é o oposto do Pacto pela Vida, que eu sempre mostrei os erros.
Qual o papel do policial nessa concepção de segurança pública que você defende?
O policial morre vítima do modelo falido de segurança pública que temos nesse estado, primeiro por causa de problemas psicológicos graves. Só nos últimos 12 dias, três policiais se suicidaram. Segundo, são vítimas da própria violência perdendo a vida em confrontos no trabalho. Repensar essa lógica é um dos objetivos do Movimento de Policiais Antifascistas, o qual sou cofundador, que vem trabalhando na formação da consciência dos policiais para o bem deles, mas sobretudo, da sociedade.
Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.
Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com