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Crédito: Print de vídeo da Band News
Depois das passeatas à beira mar, dos cercadinhos em frente ao palácio do Planalto, dos trios elétricos e carreatas, o bolsonarismo abraçou nas últimas semanas mais uma forma de manifestação: as “motociatas”. A mais recente, em São Paulo, contou com a presença do presidente Jair Bolsonaro infringindo uma série de regras sanitárias e de trânsito (andou até em moto com placa coberta). Recife iria ter uma dessas motociatas neste domingo, mas foi suspensa.
O presidente não havia confirmado participação e a repercussão estava aquém do esperado, até com informações conflitantes sobre o local de saída. E, neste sábado, o movimento Fora Bolsonaro vai às ruas no centro do Recife. Uma comparação tão próxima poderia não ser uma boa ideia para os bolsonaristas pernambucanos.
Oficialmente, porém, o discurso é de que a organização vai seguir a recomendação do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) para que o evento não ocorra. “A direita trabalha dentro da lei, ao contrário da esquerda”, disse à Marco Zero (“em conversa gravada”, frisou) Marcos Wanderlei, um dos coordenadores em Pernambuco do Aliança Brasil , o partido não fundado de Bolsonaro.
Não dá pra negar que essa justificativa se trata de uma fabulação: desde o começo da pandemia os movimentos bolsonaristas estão nas ruas, aglomerados e sem máscaras, tudo que é proibido por decretos estaduais e municipais. O presidente, inclusive, levou multa por não usar máscara e aglomerar tanto no Maranhão quanto na motociata em São Paulo.
Segundo Wanderlei, Bolsonaro não foi nem convidado para participar do agora cancelado protesto recifense. Imagens que colocavam Bolsonaro na motociata em Recife, seriam, então, falsas, para desmerecer o movimento. Um golpe da esquerda. “Na realidade foi feita uma montagem em cima de folder nosso dizendo que Bolsonaro viria. A esquerda pega tudo e modifica. Fake news. Estamos em um estado dominado pela esquerda, não tinha nem interesse em chamar Bolsonaro para cá. Era mais problema para ele”, afirmou Wanderlei, que acrescentou que o evento deve ocorrer tão logo seja “juridicamente possível”.
A motociata no Recife estava marcada mesmo antes da ocorrida em São Paulo, que foi um prato cheio para a realidade paralela do bolsonarismo. O núcleo presidencial e influenciadores bolsonaristas espalharam que havia mais de 1 milhão de motos na manifestação, um recorde no Guinnes Book. Os desmentidos, claro, foram feitos: o pedágio de SP divulgou que registrou apenas 6,6 mil veículos. Nas redes bolsonaristas, contudo, o delírio serviu até para posts em que se afirmava que a motociata tinha gerado R$ 40 milhões “em emprego e renda”.
O cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Túlio Velho Barreto, vê nas motociatas uma estratégia bastante chamativa e de fácil mobilização, por meio de motoclubes. “Dá visibilidade, faz barulho. Gera conteúdo paras as redes bolsonaristas, mas pauta também a grande mídia, que termina noticiando esse tipo de mobilização, mesmo naqueles segmentos que não são favoráveis a Jair Bolsonaro”, analisa.
Para o cientista político Adriano Oliveira, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o formato das motociatas não faz muita diferença na estratégia bolsonarista. “O mais importante é o que está por trás disso. É um contraponto às pesquisas eleitorais que o colocam em baixa. O presidente quer mostrar que elas não têm credibilidade e que ele tem grande popularidade. E, por consequência, e aí vem o objetivo principal, colocar o resultado das eleições de 2022 em suspeição: ‘Olha, como pode tantas motos na rua e eu perdi a eleição? Não vou aceitar o resultado’. O presidente está montando toda uma euforia entre o eleitorado, e fora também, para dizer que ele tem o apoio da população brasileira. E caso ocorra um revés na eleição vindoura, ele está criando a narrativa de que estará diante de uma prova viva de fraude e não do resultado legítimo trazido pela democracia eleitoral”, acredita.
Se o formato dos eventos bolsonaristas está de cara nova com as motociatas, era preciso renovar também o tema. Agora, não é o fim do STF, a cabeça do presidente da Câmara (na época de Rodrigo Maia) ou a prisão de Lula que os bolsonaristas pedem. É algo, aparentemente, mais singelo: o fim do voto eletrônico e a volta do voto impresso.
É um tema que surgiu ainda na campanha de 2018, mas agora ganha protagonismo, já de olho nas eleições do ano que vem. “Quando Bolsonaro diz que defende o voto impresso, ele já está colocando em suspeita a urna eletrônica. Esse é um primeiro ponto. No momento que tem pesquisa de opinião que dá a ele uma reprovação em torno de 55 a 60%, ele vai lá e diz “não vamos confiar nessas pesquisas, vejam que elas erraram em 2018″. O que é uma mentira: elas não erraram em 2018. O questionamento do voto impresso e a tese do apoio popular, com as manifestações, se complementam”, diz Adriano Oliveira.
Túlio Velho Barreto destaca dois pontos na mobilização pelo voto impresso. “Se fica contra o STF, pela volta dos militares, que é recorrente, não causa mais tanto impacto. Não há nova palavra de ordem que mobilize as pessoas. Ao lançar esse lema, está se colocando um novo objetivo. E força a grande mídia também a dar isso”, afirma.
O outro ponto do pesquisador da Fundaj é o mesmo também defendido por Adriano Oliveira: um elemento a mais na narrativa que o presidente está construindo caso perca a reeleição. “A defesa pelo voto impresso prepara um ambiente para reproduzir o que aconteceu nos Estados Unidos, onde se questionou o processo eleitoral com a derrota de Trump. Vai criando um caldo, pensando em 2022. Há o deslocamento da luta contra o Congresso e o STF para o processo eleitoral, antecipando o que poderá mobilizar o eleitorado dele para a quebra da ordem democrática e a anulação da eleição. Ou um golpe. É uma medida defensiva, mas ao mesmo tempo mobilizadora”, analisa.
A hipótese de um golpe, caso Bolsonaro perca, está no radar dos dois cientistas políticos. “Tenho dito que as eleições de 2022 não podem ser entendidas apenas na normalidade democrática. Vejo que Bolsonaro trabalha com duas alternativas. A primeira é ganhar a eleição na democracia, a partir do aumento do valor do bolsa família, da recuperação da economia e associando o PT cada vez mais à corrupção. A segunda alternativa, que ele trabalha muito bem, é, se por ventura ele perder a reeleição, ter o apoio dos militares para que questionem o resultado das urnas”, diz Adriano Oliveira.
Em várias cidades pelo Brasil afora, o movimento Fora Bolsonaro ganha as ruas neste sábado. Para o professor Adriano Oliveira, é hora dos movimentos serem estratégicos e juntar o máximo de pessoas possíveis em torno do mote principal. E isso significa abandonar bandeiras, a cor vermelha e, sim, Luiz Inácio Lula da Silva.
Isso porque, acredita ele, as manifestações geram um forte contraponto ao bolsonarismo, mas também revivem e evidenciam a rejeição a Lula. “As pesquisas qualitativas mostram que o PT é um partido com uma imagem associada à corrupção. Muitas pessoas vão para as ruas de vermelho, com a bandeira do PT. E o eleitor que não é de esquerda olha isso e pensa ‘lá vem eles de novo’. Temos que ter uma esquerda renovada e oxigenada para 2022. O próprio Lula precisa vir renovado. É importante que essas manifestações não proporcionem o ambiente criado nas eleições de 2018. Ou seja, um ambiente antipetista”, explica.
Mesmo Lula sendo disparado o candidato antibolsonaro mais bem posicionado nas pesquisas, Adriano crê que ele deve ser deixado de lado. O ex-presidente não confirmou presença em nenhum ato deste sábado e não participou das manifestações de 29 de maio. “Essa passeata não pode ser considerada uma passeata do Lula, do Ciro Gomes, do Dória, de quem quer que seja. Precisa ser uma passeata que, independentemente do candidato de 2022, seja contra o bolsonarismo”, acredita Adriano.
Ele vê que o grande desafio de Lula para 2022 é unir o maior número de antibolsonaristas no seu palanque. “Tem também o desafio conseguir limpar a imagem dele, que é muito associada à corrupção, e criar uma composição multipartidária. Mas o desafio do centro é muito maior: se contrapor não só a Lula, mas também ao atual presidente. Se Lula conseguir unir os partidos de centro e ser visto como uma pessoa que pode não só salvar a economia, mas colocar em pauta a defesa da saúde dos brasileiros, a defesa da democracia, aí sim ele passa a ter chances na eleição de 2022”, analisa.
Túlio Velho Barreto vai na mesma linha de uma manifestação mais centrada no objetivo maior, da união de forças contra o bolsonarismo. “As manifestações já ultrapassam a esquerda. É um segmento da sociedade que defende o estado democrático de direito, a vida, a vacinação. Não propriamente é de esquerda, mas está indignada com o descaso, a irresponsabilidade e a inconsequência que o governo tem agido com a crise sanitária e o quanto fomenta essa crise política e institucional”, diz.
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Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Contato: carolsantos@marcozero.org