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Comunidades tradicionais pesqueiras do litoral sul de Pernambuco que lutam há mais de 15 anos pela criação de uma Reserva Extrativista (Resex) estão com uma nova chance de ver a proposta sair do papel. O Governo Federal anunciou, através do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), um pacotão de propostas para criação e ampliação de Unidades de Conservação (UCs) no Brasil. Entre elas, a Resex Rio Formoso.
Localizada em um dos principais estuários de Pernambuco, cuja área inclui parte dos municípios de Rio Formoso, Sirinhaém e Tamandaré, a 85 quilômetros do Recife, essa é uma região cercada pela disputa econômica de grandes empreendimentos, o avanço imobiliário e o turismo predatório, que têm contribuído para a degradação e fragilização dos manguezais.
Com a possibilidade do estuário ser transformado em Resex — o que não restringiria, mas regulamentaria essas atividades —, a proposta virou alvo de ataques. As colônias de pescadores e pescadoras artesanais dos três municípios, todas presididas por mulheres, denunciam campanhas de desinformação, assédio, hostilidades e intimidação contra a categoria e lideranças comunitárias.
Resex é uma categoria de Unidade de Conservação (UC) utilizada por populações tradicionais extrativistas com o objetivo básico de proteger os meios de vida e também a cultura dessas pessoas, assegurando o uso sustentável dos recursos naturais através de uma gestão participativa. Diferentemente de outros tipos de UCs, a Reserva Extrativista precisa partir de uma mobilização popular.O que é uma Reserva Extrativista (Resex).
Em 2022, durante a gestão Paulo Câmara (na época, filiado ao PSB), a proposta de criação da unidade começou a tramitar a nível estadual. Comunidades se organizaram, fizeram campanha e promoveram uma barqueata em defesa do projeto. A consulta pública — obrigatória para a criação de uma nova UC —, chegou a acontecer, mas o projeto não seguiu adiante. A governadora Raquel Lyra (PSD) também não deu andamento ao processo.
O presidente Lula pretende chegar à COP30, em novembro, em Belém (PA), com novas unidades de conservação já aprovadas. A 3ª Conferência dos Oceanos da ONU (UNOC3), em Nice, na França, neste mês, reforçou a expectativa da comunidade internacional para que o Brasil lidere questões de conservação ambiental e colabore ativamente para ajudar o planeta a transformar 30% das terras, mares e águas doces do mundo em áreas protegidas, a chamada “Meta 30 x 30”.
Se aprovada, agora a nível federal, a unidade irá assegurar renda, sobrevivência e manutenção das tradições e da cultura a pelo menos 2,3 mil pescadores e pescadoras formalmente cadastrados — mais da metade são mulheres — que vivem em seis comunidades e no território quilombola Engenho Siqueira.
Estuário do rio Formoso garante sustento de 2.300 pescadoras e pescadores
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
“O que a Resex quer é conservar. Tanto para que a atividade da pesca continue, para que mulheres e homens consigam seguir exercendo sua profissão, quanto para que o meio ambiente desse estuário siga conservado”, diz a pescadora Cícera Estevão Batista, 49 anos. Há 16 anos, ela preside a Colônia de Pesca Z7, de Rio Formoso.
“Aqui muitas mulheres pescam a pé e precisam andar uma distância muito grande para chegar ao seu local de pesca, às vezes seis quilômetros. Na volta, carregam baldes pesadíssimos com ostra, marisco, sururu, aratu. Com a conservação do ambiente, as espécies se multiplicariam e chegariam mais perto de onde elas vivem”, defende Cícera.
Ela denuncia que muitas lanchas e jet skis não respeitam o Zoneamento Ambiental e Territorial (Zatan). Ao passarem em alta velocidade, prejudicam a atividade reprodutiva das espécies e da pesca, comprometendo também a segurança das pescadoras em suas pequenas jangadas.
A proposta da Resex Rio Formoso é proteger 2,2 mil hectares de um ambiente estuarino bastante importante ecologicamente. O local é berçário de inúmeras espécies de peixes e crustáceos, além de habitat natural de animais ameaçados e protegidos como mero, caranha, camurupim, cavalo-marinho e guaiamum.
Como manguezal, também funciona para proteção costeira e barreira contra os efeitos das mudanças climáticas e da elevação do nível do mar. São “armadilhas” de carbono, funcionam como “filtros” e têm alta capacidade de estabilizar o solo (saiba mais no final da reportagem).
Arlene Maria da Costa, 47 anos, de Barra de Sirinhaém, conta que começou a pescar com apenas nove anos: “nessa idade, eu já vivia no mangue. Hoje eu vivo da pesca. Minha família, meus pais, todos são pescadores. Do mangue, eu pesco tudo, só não tiro caranguejo de braço. Eu pesco aratu, siri, ostra, marisquinho, mas meu foco é o aratu”.
Para Cícera Batista, criação da Resex é de interesse das famílias que vivem da pesca
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
Entre os principais problemas das últimas décadas, Cícera e Arlene citam a poluição das águas causada por despejo de esgoto e efluentes irregulares, produtos tóxicos de viveiros de camarão (carcinicultura) e de usinas de cana-de-açúcar no inverno, além do desmatamento de mangue para construções. Como exemplo, elas citam o hotel do Sesc numa área de 10,7 hectares e capacidade para receber mais de 500 hóspedes, além de eventos corporativos para mais de 600 pessoas. Outro empreendimento de grande porte sendo erguido é um resort do Grupo JCPM.
“Sabemos que Sirinhaém e Tamandaré são hoje a menina dos olhos dos grandes empreendimentos. Então a gente teme perder o nosso espaço. Tem mangue que a gente ia a pé pescar e já não consegue mais ir, porque não há passagem, só se for embarcado. E não são todas as pescadoras que têm embarcação e sabem remar”, afirma Arlene.
Sessenta por cento do sustento dela e do marido vêm da pesca, os outros 40% são oriundos da carpintaria naval em que ele atua. A maioria das mulheres vende o pescado a atravessadores por R$ 80 no quilo de aratu, ou, em menor quantidade, a restaurantes locais, que chegam a pagar R$ 100. Também há a opção de vender aos turistas que se hospedam nos arredores por R$ 120. A cada ida para maré no estuário de Rio Formoso, Arlene volta para casa com, aproximadamente, dois quilos de aratu.
“O mangue, além de ser o meu ambiente de trabalho, de onde eu tiro o meu sustento, é também uma terapia. É onde eu me distraio, esqueço meus problemas, onde estou com as minhas colegas”, desabafa.
Arlene teme perder o espaço para os grandes empreendimentos
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
Entre os argumentos de usineiros e empresários está a alegação de que a criação da unidade impediria o turismo na região e a atividade dos próprios pescadores, das marisqueiras e dos barqueiros. Essas são narrativas que têm despertado medo na população. Mas a reserva, na verdade, promoveria uma regulamentação das atividades no estuário, não uma proibição.
Os representantes desses setores também dizem que a Resex teria potencial para se estender por todo litoral pernambucano por causa da zona de amortecimento, que seria de 10 quilômetros. Mas, na proposta, essa zona seria de apenas 100 metros. Outra questão em debate é que a criação de uma Resex por decreto presidencial, e não por lei, poderia acarretaria insegurança jurídica.
A zona de amortecimento é a área que circunda a Unidade de Conservação (UC), onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade.
O movimento contrário à nova Unidade de Conservação teme que a reserva afaste novos investimentos em locais badalados do litoral sul levando os municípios e o estado de Pernambuco a perderem receita e os trabalhadores, suas rendas.
Para as colônias de pesca, que publicaram uma carta-denúncia, esse tipo de conteúdo “deturpa os reais objetivos da criação de uma Reserva Extrativista, que são justamente conciliar a conservação ambiental com o uso sustentável dos recursos naturais por comunidades tradicionais, como previsto na legislação brasileira”.
“A pressão aqui é grande, estamos numa fronteira do desenvolvimento turístico da região. Numa ponta, temos Porto de Galinhas; na outra, Maragogi. No meio, essa área considerada hoje o boom do negócio na região, com as praias dos Carneiros e de Guadalupe, na foz do rio Formoso”, afirma Severino Santos “Bill”, agente pastoral do Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP).
“O setor privado tem receio que a unidade avance para as terras deles, mas isso não vai acontecer”, complementa Bill, explicando que a proposta oficial da Resex abarca somente espelho d’água e áreas de domínio da União. Estrategicamente ficaram de fora locais já destinados a grandes empreendimentos, propriedades privadas e onde o turismo de grande porte é denso e já está consolidado.
Bill afirma que outro argumento sem fundamento dos setores contrários é que o conselho da Resex teria poder para “mandar e desmandar”. Segundo ele, a realidade é bem diferente. “O conselho não manda e desmanda, ele é deliberativo. Ele vai apontar o que é preciso fazer e o órgão gestor vai fazer os estudos necessários para dizer o que pode e o que não pode”, explica.
Cinquenta e um por cento 51% desse conselho é formado por representantes das comunidades locais usuárias da unidade e os outros 49% são distribuídos entre o poder público das três esferas, organizações da sociedade civil e o setor produtivo da região.
Em ofício, a Associação para o Desenvolvimento Sustentável da Praia dos Carneiros (Adesc), que representa hotéis, pousadas e restaurantes, manifestou-se contrária à unidade e alegou que a zona de amortecimento da Resex Rio Formoso “atinge diretamente diversas propriedades legítimas e regularizadas da praia dos Carneiros”.
A Adesc também argumenta que a área da reserva “já se encontra sob robusto regime jurídico de proteção ambiental”, composto pela Área de Proteção Ambiental (APA) de Guadalupe, APA do Estuário do Rio Formoso, Áreas de Preservação Permanente (APPs), além de Planos Diretores e Leis Municipais e do Zoneamento Ambiental e Territorial das Atividades Náuticas (Zatan), que, entre outros pontos, impede o tráfego de embarcações de grande porte.
A sobreposição de vários tipos de unidades de conservação está prevista em lei, pois cada uma delas tem uma finalidade distinta (saiba mais sobre isso no final da reportagem).
Um trecho do documento da Adesc argumenta que “a criação de uma nova unidade de conservação na categoria Resex implicaria em mais sobreposição de regramentos ambientais, gerando insegurança jurídica, conflitos de competência e burocratização excessiva da gestão territorial, sobretudo por se tratar de categoria de unidade de conservação inadequada para uma área nacional e internacionalmente já reconhecida de forma ampla como polo turístico, com presença consolidada dos setores turístico, hoteleiro e imobiliários, inexistindo, ao revés, comprovação de que as populações tradicionais de pescadores exercem extrativismo em escala predominante na área pretendida e/ou que efetivamente estivessem necessitando dessa Resex para exercerem tais atividades, o que não está comprovado porque efetivamente não corresponde à realidade de quem vive e trabalha no local”.
“O conflito que temos hoje dentro da APA Costa dos Corais em relação às piscinas naturais é que esse é um espaço para se contemplar, mergulhar, ver os peixes e os corais. Mas quem faz turismo predatório não quer isso. Quer levar gente para botar uma churrasqueira em cima da área de coral e fazer do barco um bar”, critica Bill. “Aí são coisas diferentes, porque ou você preserva o ambiente ou você aumenta o capital por curto tempo”, avalia.
Analista ambiental do ICMBio, Leonardo Pacheco explica que a zona de amortecimento da Resex Rio Formoso, de apenas 100 metros, é muito estreita. “A lei prevê a possibilidade do estabelecimento de zonas de amortecimento com uma extensão muito maior, o que não é o caso aqui”, diz. Ele fala que é falso que isso atingiria, por exemplo, Maracaípe, usinas de cana e empreendimentos no entorno.
Na prática, explica Leonardo, essa faixa não restringe a construção de empreendimentos, ela define regras. “Se o órgão estadual for licenciar um grande empreendimento, um grande hotel, o órgão responsável pela gestão da área também terá que ser consultado”, exemplifica.
A Marco Zero fez contato com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis em Pernambuco (ABIH-PE) para saber como a entidade avalia a situação, porém não teve retorno.
Os setores que não querem a conservação ambiental encontraram apoio em parlamentares como o deputado estadual Abimael Santos e o deputado federal Coronel Meira, ambos do PL. Este último famoso pelas ações violentas em protestos e partidas de futebol no Recife quando comandava o Batalhão de Choque da Polícia Militar de Pernambuco e, mais recentemente, pelo apoio à “PEC das Praias”, que abre caminho para a privatização do litoral, e a reconstrução do “Muro de Maracaípe” menos de 24 horas após demolição pela Agência Ambiental de Pernambuco (CPRH).
Em maio, Meira e Abimael promoveram um protesto na praia dos Carneiros, em que, dizendo que ali não poderia haver “ideologia política”, reuniram trabalhadores do turismo e pescadores da região sob o falso argumento de que a renda dessas categorias estaria em risco caso a Resex seja criada. O prefeito de Tamandaré, Isaias Honorato “Carrapicho” (Republicanos), também estava presente.
“O Governo Federal fez uma arbitrariedade aqui querendo impor uma reserva ambiental justamente onde o turismo é pujante e isso prejudicará totalmente não só a marisqueira, o pescador, mas quem vende seus passeios, o turista será prejudicado com essa reserva”, disse Abimael no evento, invertendo a narrativa da proposta oficial da Resex Rio Formoso.
Atacando o ICMBio, citou ainda um ponto que o instituto nunca determinou: “Quem me garante que o ICMBio amanhã vai ditar que só podem entrar 100 turistas nessa reserva?! Por isso que nós somos contra a reserva”.
O Coronel Meira seguiu linha semelhante, sugerindo que a governadora Raquel Lyra também estaria contra a Resex: “Eles estão querendo colocar um ponto, bota um ponto aqui em Rio Formoso, diz que só são 100 metros (aqui ele se refere à zona de amortecimento), depois ele pode pegar todo o litoral de Pernambuco. Uma reserva para quê? Eles têm que trazer aqui recurso, dinheiro, tem que apoiar o que já existe em Pernambuco. A governadora de Pernambuco está favorável, tá certo? A que continue da maneira que está. Não intervenção federal. ICMBio, para quê o ICMBio?”.
Meira ainda parabenizou a chefe do Executivo Estadual: “Parabéns governadora, eu sou coerente, parabéns por você apoiar este movimento. A governadora de Pernambuco colocando exatamente que o estado de Pernambuco é contra a instalação da Resex”.
Governadora Raquel Lyra não se posicionou sobre Resex
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
A Marco Zero procurou o Palácio do Campo das Princesas para saber o posicionamento da governadora sobre a proposta e como está o processo de diálogo com as comunidades pesqueiras, que alegam não ser recebidas pela gestora, apesar de diversas tentativas. A reportagem, no entanto, não obteve retorno até o fechamento desta publicação.
A MZ também não conseguiu retorno das prefeituras de Tamandaré, Sirinhaém e Rio Formoso.
No dia 6 de maio, Tamandaré sediou a consulta pública sobre a criação da Resex Rio Formoso. Com mais de 500 participantes, foi uma manhã bastante tumultuada. Com ônibus fretados por empresários do setor da cana-de-açúcar, centenas de trabalhadores chegaram bem mais cedo e ocuparam o salão principal — a audiência começava às 9h, às 6h os ônibus vindos de Palmares e Catende, a 90 quilômetros de distância, já estavam no local.
As mulheres pescadoras, sem ter onde sentar, acabaram ficando em pé ou tiveram que acompanhar a consulta por vídeo em outro auditório. Os canavieiros relataram terem recebido R$ 80 e uma marmita para ir à consulta apenas fazer número e gritar “não à Resex”.
Na ocasião, o presidente da Associação dos Fornecedores de Cana de Pernambuco (AFCP) e vice-presidente da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (Feplana), Alexandre Andrade Lima, criticou a criação da Resex utilizando um dado errado. Ele citou que a unidade teria 7 mil hectares, quando, na verdade, ela não passaria de 2,3 mil hectares.
“Mesmo sem ouvir todas as partes interessadas, como agricultores, comércio e turismo, há defensores de sua criação, como a Toyota”, criticou a AFCP nas redes sociais. “A AFCP e a Feplana criticam a adesão da montadora a algo que prejudicará milhares de pessoas que atuam nos referidos setores com impactos diversos e pelo fato do debate estar sendo feito sem base em critérios técnicos e sem as oitivas”.
Em nota à reportagem, a Fundação Toyota do Brasil afirmou que “apoia iniciativas de preservação ambiental, como a criação de reservas para proteção de biomas e vida marinha, para que o desenvolvimento no território seja sempre sustentável (…) Acreditamos que, para isso, é preciso diálogo e trabalho de forma colaborativa, prezando pela construção coletiva de soluções sustentáveis e inclusivas. Sempre apoiaremos a promoção de boas práticas ambientais e o fortalecimento de soluções baseadas na ciência, no diálogo social e na legalidade. Nosso compromisso é com iniciativas que promovam equilíbrio entre conservação e inclusão, sempre considerando os impactos sociais, ambientais e econômicos de forma integrada”, informou a Fundação em seu comunicado.
A Marco Zero tentou entrevistar Alexandre Andrade Lima na semana passada, mas ele recusou explicando estar sem espaço na agenda.
Após a consulta pública, o ICMBio analisa e sistematiza todas as informações coletadas e envia a proposta da Resex para o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que depois remete o projeto para a Casa Civil. De lá, o presidente da República recebe o plano da reserva e, em caso de aprovação, cria a Resex por meio de decreto. A expectativa é, a depender dos trâmites burocráticos e também do ambiente político, que o presidente Lula (PT) publique o decreto no final de julho.
Para Beatrice Padovani, professora titular do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e coordenadora do Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável (Peld Tams), pesquisadora na área há mais de 20 anos, a criação da Resex Rio Formoso pode melhor regulamentar as atividades da pesca e do turismo e trazer benefícios para o equilíbrio ecológico.
“A proposta da Resex está muito madura, ela tem uma base técnica forte, ela tem uma base de apoio comunitário também bastante significativa, forte também”, destaca. “Para o turismo, além de preservar o destino como turismo ecológico, há uma grande importância porque já se sabe que os ambientes de manguezal são essenciais para deter avanços e consequências dos efeitos das mudanças climáticas como a elevação do nível do mar e o aumento de ondulações. O manguezal age como uma barreira”, explica Beatrice.
Sobre a sobreposição de unidades de conservação, ela fala que o “mosaico” é um arranjo possível e previsto no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc) para melhor administrar uma região.
“Não é problema ter mais de uma unidade ou elas serem sobrepostas. Pelo contrário, isso fortalece. Cada uma tem seu objetivo e esses objetivos são complementares”, detalha. “A criação da Resex traria uma melhor administração ambiental para a região e com certeza o turismo que preza por esses valores também se beneficiaria”, defende.
Especialistas alertam para a necessidade de conservar os manguezais do rio Formoso
Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero
Entre as espécies de peixes que ocupam esse ambiente como berçário na sua fase juvenil, estão tainhas (grande recurso pesqueiro para região), ciobas, dentões, baúnas, camurins e camurupins. Outras espécies entram no estuário para se alimentar, a exemplo dos cardumes de xaréu. Além disso, a localidade abriga caranguejo, guaiamum, aratu, ostras e vários moluscos bivalvos (de concha dupla).
“Por ser um ambiente de berçário, ele exporta biomassa para outras áreas. Os indivíduos vão crescendo e migrando, então há um benefício também para a pesca em todo o entorno e no mar. Há toda uma cadeia alimentar se fechando nesse ambiente”, detalha Beatrice.
O professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Pernambuco (UPE) Clemente Coelho Júnior complementa que os manguezais têm capacidade de abrandar os efeitos das marés ao mesmo tempo em que protegem as bacias hidrográficas e atenuam os efeitos de enchentes. Cofundador do Instituto Bioma Brasil, ele lembra ainda a conectividade dos manguezais com os recifes de coral.
O especialista reforça: é a beleza cênica e a manutenção dessa biodiversidade que promovem o turismo de base comunitária e a pesca com atividades racionais e sustentáveis. Na avaliação dele, isso contrasta com o mercado ali presente, que tem crescido de forma desordenada, principalmente em Tamandaré, com um turismo náutico feito sem planejamento, com embarcações de grande porte utilizando o estuário de forma incorreta.
“Isso divide os interesses dos que defendem o território pesqueiro e a sua importância e o setor particular”, pontua. “O que a comunidade pesqueira tradicional pleiteia é o reconhecimento desse território, que promove emprego, renda, segurança alimentar e cultura”, destaca. Quem atua dentro da legislação e sem danos ao meio ambiente não deveria temer a criação de uma Reserva Extrativista, pensa Clemente.
Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com