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Beijo forçado, passada de mão e ameaça com arma: o assédio nas campanhas das mulheres

Maria Carolina Santos / 05/10/2018

A candidata Karla Falcão durante panfletagem. Foto: Divulgação

adalgisasaberturaNeste fim da campanha eleitoral, a candidata ao legislativo estadual Karla Falcão (PPS) tem fresca na memória uma série de episódios de assédio que viveu ao longo deste ano. Teve beijo forçado, teve assédio disfarçado de cantada, teve mensagem com fotos de homens nus e pedido do número de telefone. O mais grave aconteceu durante uma panfletagem no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) quando foi beijada à força por um homem.

“Eu estava cumprimentando os eleitores com um beijo no rosto quando ele virou a cabeça. Não sou de ter reação física, então na hora eu o constrangi, dizendo que aquilo não era certo. Ele ficou com aquele papinho que foi ‘sem querer’, mas aquilo acabou o dia para mim. Não consegui mais panfletar. Não tem como passar ilesa”, lembra Karla.

Outros episódios se repetiram com frequência nas campanhas de Karla e de outras candidatas. Homens que dizem que “eu voto se você me der um beijo (ou o telefone)” e olhares que constrangem. “Muitas mulheres trabalham comigo entregando panfletos e elas sofrem muito, muito assédio. Saí candidata à vereadora em 2016, mas neste ano está pior”, reclama Karla.

O assédio não só constrange, mas prejudica o ir e vir das candidatas. “Você fica até com receio de passar por um local que tem muitos homens. Como trabalho com muitas mulheres, algumas áreas são meio que proibidas para nossa campanha”, diz a candidata a estadual Michelle Santos (Psol), de Caruaru. “Teve um caso que um senhor bêbedo me agarrou epassou amão na minha bunda. Na hora, empurrei ele”, lembra. “Mas tem muita cantada, que na verdade é assédio”, diz.

Pelas redes sociais, então, quase todas as ouvidas pelo projeto Adalgisas tinham histórias de misoginia e assédio. “A gente faz um post sobre orçamento e os comentários são ‘linda’, ‘maravilhosa’. O que comentários assim têm a ver com o post?”, reclama Karla Falcão.

Com mais de 16 mil seguidores no Facebook, a candidata a estadual Liana Cirne (PT) vê neste período de campanha eleitoral uma trégua das disputas online. Isso porque quem está cuidando das redes sociais dela é a equipe da campanha. Como militante ativa no campo virtual, Liana sempre recebeu muitas mensagens misóginas. “Na campanha, estamos usando mecanismos de bloqueio e uma ou outra mensagem que sai do filtro a equipe apaga sem nem eu ver. Não cheguei a sofrer diretamente, porque a equipe me protegeu”, conta.

A candidata Dyanne Barros. Foto: Divulgação

A candidata Dyanne Barros. Foto: Divulgação

Em muitas outras vezes, o assédio é velado. “É sempre aquele toque que incomoda, aquele abraço que você sente que é diferente, aquela olhada quando você termina de falar. É difícil de a gente caracterizar, mas fica sempre uma coisa que você sabe que está acontecendo, e não consegue provas”, explica apostulante ao Senado Eugênia Lima (Psol).

Para as candidatas feministas, conta Eugênia, aindaexiste o desafio de se explicar que o feminismo não é se equipara ao machismo. “Em algumas cidades do Sertão, quando a gente falava que era uma chapa feminista diziam: “Ai, lá vem essas mulheres…”. Também fui dar uma palestra em uma empresa e uma argumentação era que mulher só vai governar para mulher. Não é isso que o feminismo prega: não estamos lutando só por mulheres. Estamos em um abismo de retirada de direitos e isso recai sobre a população toda”, diz a candidata. “Tentamos imprimir que feminismo não é cabelo no suvaco. E essa imagem deturpada está na cabeça de algumas pessoas. Precisamos de políticas públicas, como mais creches, equiparação salarial, atendimento de saúde. E precisamos sim ocupar os espaços de poder, não dá para deixar que os homens legislem sobre nossos corpos”, diz Eugênia.

Ameaça com arma

Na segunda-feira passada, por volta das 17h, a candidata a estadual Dyanne Barros (PT) terminou uma panfletagem nos sinais de trânsito na Avenida Agamenon Magalhães, uma das principais do Recife, e entrou no carro para ir embora. Alguns metros depois, escutou um grito vindo de um carro ao lado, com adesivos do presidenciável Bolsonaro: “Vai parar a tua mãe!”.

Dyanne, que estava na frente, ao lado do motorista, não deu muita atenção. Até que, na frente do Hospital São Marcos, o motorista do carro ficou janela com janela com ela eapontou uma arma. “Na mesma hora me baixei e o motorista do nosso carro seguiu. Ele não disse nada e não conseguimos pegar a placa, porque foi tudo muito rápido”, conta.

Ela postou o fato nas redes sociais e choveram críticas. “Perguntaram se era verdade mesmo, por que não filmou. Disseram que era fake news”, diz Dyanne, que denunciou o caso à polícia e ao Tribunal Regional Eleitoral. “Até agora, não fizeram nada”.

AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com