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Campanha denuncia prisão arbitrária de militante no Recife

Raíssa Ebrahim / 09/08/2022

crédito: Instagram @jonatas_cgs

Réu primário, estudante com matrícula regular, recém-aprovado em concurso público, com residência fixa, militante pelo transporte público e integrante de organizações sociais. O recifense Jonatas Gomes, de 28 anos, o “100catraca”, cumpre os requisitos necessários por lei para responder em liberdade, mas está há 60 dias preso no Centro de Observação e Triagem Professor Everardo Luna (Cotel).

Morador do Alto José Bonifácio, periferia da zona norte da capital, ele é acusado de tráfico e associação para o tráfico por uma quantidade de maconha destinada a uso pessoal. Jonatas tem transtorno bipolar afetivo diagnosticado e, através de uma campanha de solidariedade, amigos, familiares e companheiros de luta denunciam, além da prisão arbitrária, o agravamento do quadro de saúde dele dentro de uma unidade prisional superlotada.

O Cotel, em Abreu e Lima, na Região Metropolitana do Recife, tem 940 vagas e 6.527 presos, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) através do sistema Geopresídios. Na unidade, há apenas um médico psiquiatra – ou clínico com experiência em saúde mental – e três psicólogos, de acordo com a Coordenação Estadual de Atenção à Saúde no Sistema Prisional (Ceasp). Isto significa um psicólogo para cada 2.175 presos.

O Ministério da Saúde estabelece que cada unidade prisional deve possuir sua equipe de Atenção Primária, composta por 12 profissionais multidisciplinares.

“Jonatas não oferece risco nenhum à sociedade. A qualquer momento, ele pode ter um surto ali”, teme a mãe, a enfermeira Alexsandra Gomes. Ela detalha que o filho faz uso de três diferentes medicações controladas, sendo uma delas fornecida pelo Cotel e as outras duas retiradas num posto de saúde da Prefeitura do Recife e levadas à unidade prisional. O problema, detalha a mãe, que tem ido visitar o filho regularmente, é que a administração dos remédios está comprometida por conta do horário do posto de enfermagem do Cotel.

“Tem remédio que está lá, mas não chega para Jonatas porque não tem quem administre porque a enfermaria trabalha das 8h às 17h e ele precisa tomar um às 20h”, conta. “Se Jonatas tiver um surto lá dentro, o Judiciário e o Estado são complacentes”, adverte. Alexsandra e a família contam com o apoio jurídico de advogados populares e do Partido Comunista Brasileiro (PCB), do qual ele é membro no núcleo de Moradia e Cidade.

Jonatas é estudante do curso de técnico de mecânica no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) e foi aprovado no concurso do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas está prestes a perder a convocação. Auxiliar de produção, segundo consta na sua carteira de trabalho, ele também é voluntário de criação artística junto a crianças e adolescentes da comunidade do Bode, zona sul do Recife, na Livroteca Brincante do Pina, e já atuou como voluntário na produção de diversas edições do Encontro Internacional de Artes Pão e Tinta.

Alexsandra relata que “o baque foi muito grande” quando a família soube da prisão. “Jonatas está sendo enquadrado por uma coisa que ele não fez”, assegura. “Nos primeiros dias (antes dos apoios que tem recebido), eu não dormia nem comia, tinha crises nervosas. Meus pais são idosos e muito apegados a Jonatas. É o neto mais velho e eu sou filha única. Minha mãe desabou. Agora é que eu estou respirando como dá, porque ninguém respira tranquilo numa situação dessa. Mas estou tentando viver um dia de cada vez, todo dia eu olho o processo para ver se tem resposta do juiz”, comenta.

Psicóloga e companheira do PCB, Mariana Damasceno destaca como o caso de Jonatas se relaciona com a falência da guerra às drogas. “O que a gente está querendo com esse processo de encarceramento da população? Certamente não é ressocializar ninguém”, questiona.

Conheça o caso de Jonatas

Segundo consta no processo, na noite do dia 9 de junho, policiais militares faziam rondas da Operação Arrefecimento, que consiste em blitz com abordagens a veículos e transeuntes para consultas de celular, na divisa dos bairros Linha do Tiro e Alto José Bonifácio, quando abordaram um carro com dois homens. Os PMs encontraram uma quantidade de maconha entre 1,6 quilo e 2,5 kg (as quantidades relatadas divergem entre o Boletim de Ocorrência e a audiência de custódia).

Os dois rapazes informaram que faziam serviço para um aplicativo de transporte e estavam indo entregar a encomenda. Os policiais então entraram no veículo e obrigaram os homens a irem até o destinatário, de vidros fechados. Chegando lá, Jonatas, sem saber da presença da polícia, acenou com a mão. Ele estava, segundo sua defesa, com R$ 100 em mãos para comprar 25 gramas de maconha para consumo próprio. Nesse momento, os três foram conduzidos até a delegacia e presos em flagrante.

“O normal é que as pessoas não sejam presas por isso. Mas o que acontece na realidade é justamente o inverso. Jonatas é um exemplo muito claro do que acontece diariamente e como funciona esse sistema”, coloca o advogado Ygor Oliveira, lembrando que o caso não envolve qualquer ato de violência por parte do acusado. A legislação brasileira não especifica quantidades para enquadrar alguém como usuário ou como traficante, ficando essa avaliação a cargo do juiz.

Na audiência de custódia, em que a prisão foi convertida em preventiva, o juiz colocou que havia prática frequente e habitual do tráfico e falou em grande quantidade de maconha: “a periculosidade social concreta se afere pelo modo de agir do contexto dos delitos e revela a contumácia de monta dos delitos perpetrados pela quantidade enorme de drogas e organização revelada pelo grupo de traficantes”. Porém, lembra o advogado, Jonatas nunca respondeu a processos criminais nem tampouco figurou como parte em qualquer inquérito policial.

Ygor sustenta que, além de não haver tráfico, não há indício para que a Polícia Civil enquadre o caso de Jonatas como associação para o tráfico. “Como ele iria interceptar uma grande quantidade de maconha com apenas R$ 100?”, indaga. O advogado entrou com um pedido de revogação da prisão e aguarda decisão do juiz, que não tem um prazo estabelecido. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) se manifestou, no final de julho, sobre a denúncia, mas não sobre a revogação da prisão.

Atualizado em 18 de agosto, às 18h53

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com