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Campanha do MTST tenta parar contagem regressiva para despejo de 350 famílias em Setúbal

Raíssa Ebrahim / 20/10/2021

Protesto da Ocupação 8 de Março, do MTST, no Recife (crédito: Paloma Luna)

Um grupo de 350 famílias, a maioria chefiada por mulheres, está prestes a ser despejado de um terreno ocupado há um mês e meio e que estava sem uso há mais de 20 anos na zona sul do Recife. De propriedade da Anbar Participações Ltda, a área fica numa região de alto valor imobiliário, no cruzamento das avenidas Barão de Souza Leão e Desembargador José Neves, no bairro de Setúbal.

Segundo cálculos do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Teto (MTST), o patrimônio ameaçado de penhora pela Justiça acumula mais de R$ 500 mil em dívidas, ao município e à União, referentes ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e outros tributos.

No final de setembro, após a ocupação, os donos do terreno foram à Justiça e conseguiram, por decisão liminar do juiz Emanuel Bonfim Carneiro Amaral Filho, de primeira instância, um mandado para reintegração de posse, com desocupação total da área e demolição das barracas instaladas. O prazo concedido pela Justiça encerra-se nesta quinta-feira, 21 de outubro.

A área, após tantos anos desocupada e com dívidas amontoadas, agora está sendo negociada para locação para a abertura de uma churrascaria local, a Leitão Churrascaria, que tem unidades em Porto de Galinhas, Carpina e Igarassu.
Na manhã de quarta-feira, 20, houve protesto com fechamento das vias. As famílias que vêm construindo a Ocupação 8 de Março, nome em alusão ao Dia Internacional da Mulher, vieram de comunidades próximas e não vinham conseguindo arcar com o custo de aluguel do lugar onde viviam. A elas, também juntaram-se, nesse período, pessoas em situação de rua.

Famílias da Ocupação 8 de Março, do MTST, protestaram na manhã desta quarta (20) em Setúbal, zona sul do Recife. Crédito: Paloma Luna

O MTST denuncia que, apesar de três mesas de diálogo com a Prefeitura do Recife, as negociações não avançaram. As famílias alegam que a gestão João Campos (PSB) está sendo omissa. De acordo com Vitória Genuíno, da coordenação do movimento, foram realizadas três mesas de diálogo, mas sem avanços concretos no sentido de encontrar soluções.

“Precisamos denunciar que a prefeitura de João Campos, que tenta passar a ideia de progressista, que dialoga, que é feminista e antirracista, não é nada disso. Temos uma ocupação com o nome 8 de Março, com uma maioria de mulheres, população negra e de rua prestes a sofrer despejo – processo que não tem como não ser difícil e violento – e eles dizem que não vão se meter porque o terreno é privado”, contesta Vitória.

O MTST está com uma campanha online para pressionar contra a reintegração da Ocupação 8M. Artistas, políticos e ativistas também têm feito postagens nas redes sociais com as hashtags #DesapropiaJoãoCampos e #Salvea8deMarço.

A ocupação significa também a segurança alimentar das famílias, que têm feito as três refeições graças a doações de alimentos recebidas pelo movimento. Através de ajuda, há ainda previsão de organização da cozinha comunitária, assim como acontece em outras ocupações do MTST. As crianças têm participado de atividades e tiveram a festa do Dia das Crianças, com contação de histórias e filmes.

Ocupação 8 de Março

Ocupação 8 de Março na Zona Sul do Recife. Crédito: Paloma Luna

A Lei do Despejo Zero (PL n° 1010/2020), que passou a valer em Pernambuco no mês passado e suspende, na pandemia, o cumprimento de mandados de reintegração de posse, despejos e remoções judiciais ou mesmo extrajudiciais, não incide sobre a Ocupação 8 de Março porque a lei foi aprovada com o marco temporal de março de 2020.

Felipe Souto Maior, advogado da Brigada Jurídica do MTST, defende que “o poder público deve entrar no circuito para construir soluções habitacionais dignas para as pessoas que podem ser despejadas”. Nesse sentido, a Defensoria Pública de Pernambuco (DPPE) entrou com um pedido para suspender a reintegração, através de agravo de instrumento, no dia 1º de outubro.

A questão, porém, ainda está pendente. Oficialmente já há um comunicado dizendo que a demanda foi encaminhada para análise do assessor do desembargador. Informações extraoficiais dão conta que o desembargador está de férias.

O defensor público Henrique da Fonte conversou com a reportagem e disse que a DPPE está avaliando outras medidas, inclusive junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), com base na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828, do ministro Luís Roberto Barroso.

Explicando resumidamente, a decisão de Barroso orienta que não haja despejos durante a pandemia em casos de ocupações anteriores a 20 de março de 2020. Para casos depois dessa data, orienta que haja cautela e que o poder público assegure assistência às pessoas que sofrerão remoções para que não haja qualquer violação de direitos. Na visão de Henrique, há uma descaracterização de posse do terreno anterior à ocupação por conta da falta de destinação e uso, provadas pela falta de pagamento das obrigações tributárias.

Mas o juiz entende de forma diferente. Na decisão pela reintegração, consta que o fato do imóvel estar temporariamente desocupado não implica desatendimento à função social da propriedade e que há um termo de compromisso firmado com o município, através do qual aprovou-se o projeto inicial para construção da churrascaria no local.

Na visão do magistrado, isso reforça a efetiva existência de posse do imóvel, além de sinalizar para um movimento da economia da cidade, com criação de novos postos de emprego e recolhimento tributário. No entendimento de Emanuel Bonfim Carneiro Amaral Filho, a demanda é de natureza somente cível e, por isso, não cabe a discussão administrativa sobre as dívidas tributárias acumuladas pela Anbar. Por isso, a Prefeitura do Recife não foi intimada.

Prefeitura descarta desapropriação

A Marco Zero está tentando, desde a tarde desta terça, 19, uma entrevista com o secretário-executivo de Governo e Participação Social, Sérgio Campelo, responsável pelas intermediações com o MTST, mas não conseguiu retorno até o momento.

Em nota, a PCR reforçou a natureza privada do terreno, disse estar aberta ao diálogo e disposta “a auxiliar no que se refere às necessidades sociais das pessoas que hoje ocupam o terreno”. A gestão também culpou o Governo Federal pela “ausência de um programa federal para construção de habitação de interesse social no Brasil”.

Confira a nota na íntegra:

A Prefeitura do Recife informa que o terreno ocupado por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), no bairro de Boa Viagem, é privado e que a Justiça determinou a reintegração de posse ao proprietário. O governo municipal salienta que está aberto ao diálogo com os manifestantes e disposto a auxiliar no que se refere às necessidades sociais das pessoas que hoje ocupam o terreno, a fim de contribuir na identificação de quais programas sociais elas podem se enquadrar e serem beneficiadas.

Lamentavelmente, a ausência de um programa federal para construção de habitação de interesse social no Brasil direciona aos governos municipais, o ente federado mais frágil, um problema que requer uma séria política de estado, de estímulo e fortalecimento a esse tipo de moradia no País.

Por fim, a Prefeitura do Recife esclarece que respeita a decisão judicial e vai atuar para assegurar que a reintegração de posse ocorra da melhor forma possível.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com