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É hora de redobrar as forças

Marco Zero Conteúdo / 18/10/2022

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Por Carmen Silva

Tudo vale a pena quando a alma não é pequena, como diria o poeta Fernando Pessoa. A questão é como não apequenar a alma numa batalha tão feroz como a que estamos vivendo neste segundo turno das eleições no Brasil. No plano federal, a semana foi marcada pela frase “pintou um clima” proferida pelo candidato a presidente Jair Bolsonaro. No estado, a marca foi a neutralidade da candidata ao Governo do Estado, Raquel Lyra. No domingo teve o debate na TV e a campanha seguindo nas ruas. Tudo isso causa impacto nas perspectivas eleitorais, que não se regem apenas por pesquisas de opinião.

A fala do presidente Jair Bolsonaro em um podcast ao vivo afirmando que “pintou um clima” entre ele e meninas venezuelanas refugiadas no Brasil causou muita indignação e mobilizou protestos nas redes sociais. Posteriormente, reportagens afirmaram que o passeio de moto que ele enalteceu, e que o teria levado a um lugar onde as “meninas de comunidade se arrumavam para ganhar a vida”, era na verdade uma visita presidencial a uma obra social. Ao invés de ser um atenuante, isso torna tudo mais grave. O candidato-presidente se gabou, em uma live, com frase com conotação sexual, revelando seus desejos mais sórdidos. Ao ver meninas que participavam de uma atividade de acolhimento à sua condição de vulnerabilidade, não imaginou o sofrimento delas e não teve compaixão, pelo contrário, projetou a ideia de entrar na casa delas para fins sexuais, com afirma sua expressão.

A explicação do fato, em sendo verdade, só o torna abjeto. Demonstra as intenções maléficas e a sordidez desta pessoa que ocupa o posto mais alto do país. Ademais, se ele fosse contrário à exploração sexual de crianças e adolescentes, aquilo que ele chama prostituição, tendo a autoridade que lhe foi constituída, deveria ter tomado providências em relação àquele crime. Nada fez, portanto, prevaricou. O que fez foi o contrário: guardou em suas lembranças toda a sua intencionalidade de usufruir dessa exploração e as vomitou na primeira oportunidade que teve para se vangloriar. Isso é que é terrível. Cai por terra qualquer filigrana de discurso em defesa de bons costumes moralistas. Nem pra isso esse presidente presta.

Em Pernambuco, vemos transcorrer a campanha de segundo turno com a disputa entre Marilia Arraes e Raquel Lyra reconfigurando os campos políticos no estado. Impactou negativamente o fato de Raquel Lyra estar se colocando como neutra em relação ao pleito presidencial. Não convém, politicamente, a alguém que disputa um cargo público de tanta responsabilidade política como é o Governo de Pernambuco tentar se colocar como neutra frente à disputa para Presidente da República.

Neutralidade só pode ser entendida, na melhor das hipóteses, como ela não dando importância às candidaturas que estão se confrontando no plano federal. Afirma que faz isso por se preocupar com Pernambuco. Porém, Pernambuco faz parte do Brasil. E Lula fez um governo aprovado por mais 80% dos brasileiros, tirou o país do mapa da fome e sempre se baseou nos preceitos democráticos do fortalecimento das instituições, o que gerou condições para que ele construísse a amplíssima Frente Democrática que o apoia. Enquanto Bolsonaro está jogando o país na miséria, crivando de ódio, facilitando a liberação de armas e ameaçando as institucionalidades democráticas com a implantação de uma ditadura que, a meu ver, é de cunhoMobilização popular fascista e fundamentalista. Se isso não tem nenhuma importância, a ponto de uma candidata ao governo de uma importante unidade federativa como Pernambuco, se colocar como neutra diante dessa disputa, o que mais terá importância neste país? Não é à toa que Raquel ganhou a adesão dos setores fundamentalistas religiosos que atuam na política pernambucana.

No domingo teve o debate entre os presidenciáveis. As pautas geradas pelas fake news difundidas pela campanha de Bolsonaro foram reiteradas por ele a cada fala. Lula trouxe pra TV em rede nacional as suas realizações de governo. Bolsonaro ficou parado como uma estátua, talvez para conseguir manter o controle, só caminhando um pouco no último bloco. Lula circulou pelo palco, sorriu, dirigiu-se à câmera, e desconcertou o adversário que ficou sem palavras em pelo menos uma ocasião. No final, Bolsonaro ganhou mais tempo de fala sozinho e jogou pra consolidar seu eleitorado. Lula ganhou direito de resposta e fechou falando com o público em geral.

Nas redes sociais e nas pesquisas qualitativas feitas com quem não votou em nenhum dos dois no primeiro turno, Lula saiu vitorioso. Isso é realmente o que interessa neste tipo de debate cuja metodologia impede uma verdadeira discussão programática dos caminhos para enfrentar os graves problemas do país. Falar com eleitores de outras candidaturas a presidente derrotadas no primeiro turno, com quem se absteve e com quem votou nulo ou branco é a grande tarefa destes últimos dias de campanha.

Apesar destes três elementos centrais na campanha eleitoral, esta semana eu gostaria de falar sobre um outro para encerrar alegrando os corações democratas. A passagem de Lula pelo Nordeste, nas várias capitais, e as multidões que foram mobilizadas, é a melhor resposta para a injúria bolsonarista contra o povo nordestino. Não podemos simplesmente não ter empolgação com mar vermelho nas ruas do nordeste e a festa da democracia que ele gerou. Mas, certamente, isso não é tudo. Faltam vários dias para as eleições e elas só são decididas nas urnas.

Neste fim de semana ocorreram diferentes momentos da campanha eleitoral, além da imensa manifestação no centro do Recife que culminou na praça do Carmo. Foram panfletagens de porta em porta em bairros populares, nos mercados públicos e na porta de estádio, carreatas em bairros populares, manifestações artísticas em bares e praças, reuniões pequenas, banquinhas com café e conversa, confecção de bandeiras, camisetas e panos de prato, e muitas outras. Em todas elas salta aos olhos o apoio das pessoas de classes populares, com grande destaque para as mulheres que acolhem de muito bom grado o material da campanha e reafirmam a sua decisão de votar em Lula.

Apesar dos problemas de carência de material e até uma certa descoordenação da campanha, na Região Metropolitana do Recife pipocam atividades organizadas por grupos de amigos, movimentos populares, entidades nos bairros, jovens e mulheres. Estes grupos se organizam, produzem material e vão às ruas conquistar votos. O descontrole da campanha de Lula é a sua força. Essa eleição será ganha pela capacidade de organização popular.

*Carmen Silva é socióloga, constrói o SOS Corpo Instituto Feminista para a Democracia, é militante do Fórum de Mulheres de Pernambuco e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político.

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