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Eleições 2022: desafios e estratégias para aumentar a representatividade nos espaços de poder

Raíssa Ebrahim / 09/05/2022

Crédito: Arnaldo Sette/MZ

As estratégias para aumentar a representatividade e estimular candidaturas de grupos marginalizados e subrepresentados tomaram conta da comunidade do Bode, na zona sul do Recife, entre quinta-feira e domingo, 5 a 8 de maio. O evento nacional “+Representatividade”, iniciativa do Instituto Update, debateu, na Livroteca Brincante do Pina, os desafios e as oportunidades para reduzir as barreiras de entrada na política, com a presença de representantes de todas as regiões do Brasil e também convidadas internacionais do Chile, da Colômbia, do Equador e do México.

A Marco Zero cobriu dois dias do evento e publica as principais pautas em duas matérias. Esta primeira sobre uma avaliação das ameaças e oportunidades da conjuntura para o trabalho das iniciativas nas eleições 2022 e a segunda sobre apresentação de casos para aumentar a diversidade nas eleições.

O objetivo do projeto é fortalecer e promover o intercâmbio entre iniciativas para reverter o quadro de baixa representatividade política de mulheres, povos indígenas, negros, quilombolas e LGBTQIA+ nos espaços de poder e decisão. O Update é uma organização que estuda e fomenta a inovação política na América Latina. A coordenadora do +Representatividade, a recifense Ingrid Farias, destaca que o instituto finalizou, em março, um mapeamento de cerca de 100 iniciativas não partidárias em todo o país que estão atuando para estimular essas candidaturas. O material vai ao ar em breve.

“Realizamos esse mapeamento e promovemos esse encontro porque acreditamos que potencializar o trabalho e a atuação de quem luta por diversidade na política é a estratégia para mudar a estética política dos espaços de poder no Brasil”, defende Ingrid.

Confira os principais trechos da mesa que reuniu as provocadoras Mônica Oliveira, da Coalizão Negra por Direitos; Braulina Baniwa, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga); Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea); e Amanda Hurtado, do Processo de Comunidades Negras (Colômbia). A mediação foi de Ingrid.

“A gente quer mais e nós temos pressa”

  • Mônica Oliveira, da Coalizão Negra por Direitos)

Mônica Oliveira, da Coalizão Negra por Direitos. Crédito: Arnaldo Sette/MZ

Mônica Oliveira, da Coalizão Negra por Direitos, é uma das principais pensadoras da atualidade em Pernambuco. Ela tem colocado nas mesas de discussão a necessidade de apoiar a estratégia ampla em torno do nome de Lula à presidência, mas também a urgência de se posicionar fazendo as leituras necessárias sobre essa aliança. Ao mesmo tempo em que fala da importância de reconhecer os avanços sociais dos governos do PT, Mônica questiona como estão hoje a inserção das pautas históricas e a participação do movimento negro nessa alianças e na construção do programa em torno da volta do ex-presidente.

“Nós tivemos avanços, sim. Mas a mudança não foi estrutural e, por isso, tudo cai rapidamente”, avaliou. “Isso que a gente perdeu agora precisa estar na mesa. Mas, por outro lado, a gente não quer apenas voltar para o que era antes de Bolsonaro. A gente quer mais e nós temos pressa”, defendeu. Mônica também costuma defender que é preciso sempre fazer uma análise do que é o imediato e do que é estruturante. Para ela, o imediato hoje é a estratégia de apoio à campanha de Lula e o estruturante são as pautas de grupo subrepresentados. “Nós precisamos trabalhar para, na próxima, não estarmos reféns de novo”, colocou.

Ela, que também é assessora parlamentar do mandato coletivo das Juntas (Psol) na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), vê como oportunidade o avanço do número de mulheres trans e travestis – foram 30 no Brasil em 2020 -, assim como a quantidade de mulheres negras e de mandatos compartilhados. “Eu acho que hoje a gente tem mais candidaturas ativistas do que a gente tinha tempos atrás. Isso é um passo estratégico importante”, acredita, lembrando do peso que é o posicionamento explícito dos movimentos sociais em defesa desse tipo de candidatura.

Em sua fala, Mônica trouxe um dado importante. Um levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) apontou que os brancos recuaram 11,8% na quantidade de eleitos, porém isso significa uma redução de apenas 4,6 pontos percentuais na ocupação dos assentos parlamentares. Por outro lado, as mulheres negras avançaram 23,1%. Mas, em contrapartida, isso significou um aumento de apenas 1,8% no quadro geral da ocupação das cadeiras. “O nome disso é racismo”, definiu.

Mônica também reforçou que o espaço ocupado pelos fundamentalistas é um projeto que está sendo instalado há décadas no país. “Eles ocuparam os cursos de direito, o judiciário, o Ministério Público, os cursos de psicologia, o serviço social, a medicina, a enfermagem”, elencou. “Esse projeto visa, como diz Sílvia Camurça, resgatar a ordem. Uma ordem racista, misógina, desse povo que nos odeia. Um ódio planejado que opera na economia, na política, na cultura e no sistema público de saúde para nos exterminar”, colocou.

“Estamos sonhando com a bancada do cocar”

  • Braulina Baniwa, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga)

Braulina Baniwa, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga). Crédito: Arnaldo Sette/MZ

A Anmiga é uma articulação que se organiza por biomas (são seis biomas) na luta pelo direito de voz e fala das mulheres indígenas nos espaços de diálogo, a partir do conceito de “corpo-território”. “Precisamos de uma frente política para lutar pelas nossas especificidades de pautas enquanto indígenas mulheres”, explicou Braulina, lembrando que essa participação política começa desde a ocupação, por exemplo, de cargos de professoras, presidentes de associações e coordenadoras de departamentos de mulheres em organizações.

A partir de nomes como Sônia Guajajara, candidata a vice-presidência em 2018 pelo PSOL, e Joênia Wapichana (Rede-RR), primeira deputada federal indígena, foram sendo construídas discussões para fortalecer também as candidaturas estaduais e municipais nos territórios. “Nosso movimento, enquanto movimento nacional indígena, precisa também ocupar outros espaços, passando a estar também dentro das universidades e produzindo narrativas a partir da nossa diversidade de povos indígenas”, defende Braulina, contabilizando que, no país, são mais de 300 povos que falam quase 200 línguas.

Durante a 18ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) este ano, com o tema “Retomando o Brasil: demarcar territórios e aldear a política”, foram lançadas ao menos 30 pré-candidaturas de todo o Brasil para o pleito deste ano. De acordo com Braulina, em 2020, quando a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou a plataforma da campanha indígena, houve 2.177 candidaturas cadastradas. Destas, foram eleitas 236 indígenas, sendo 44 mulheres, um movimento muito fortalecido pela hashtag #parentevotanoparente.

Em 2022, a Anmiga se desafia a acompanhar – desde a orientação sobre o que é um partido político até a pós-campanha – as pré-candidatas estaduais e federais. No momento, segundo Braulina, ainda não há informações sobre pré-candidatas indígenas ao Senado. “Esse ainda é nosso maior desafio: como você explica isso tudo dentro dos territórios para as anciãs e a juventude, a importância de fazer política que nos represente por esses candidatos e candidatas”, alerta.

Outro desafio é a questão da logística de ir até esses territórios. Por isso a associação vai promover 28 encontros com mulheres indígenas na ideia de dialogar para além dos ambientes externos e das marchas. “Precisamos falar sobre isso dentro dos territórios, pautando também o cuidado e o acolhimento diante das violências e das consequências da pandemia”, frisa.

“Da Colômbia, nasce uma esperança”

  • Amanda Hurtado, do Processo de Comunidades Negras (Colômbia)

Candidatas do Estamos Listas ao Senado na Colômbia. Crédito: Instagram @estamoslistas

Este ano também haverá eleições presidenciais na Colômbia, com o primeiro turno marcado para o dia 29 de maio. Desta vez, o país tem a oportunidade de eleger o candidato de esquerda Gustavo Petro, líder nas pesquisas, com a primeira vice-presidente negra do país, Francia Márquez-Mina, que tem uma agenda de reparação dos povos negros e originários.

Amanda Hurtado falou do processo de escravização colombiano, do surgimento dos grupos guerrilheiros e dos desafios para enfrentar a elite branca. Também contou sobre a história recente da política em seu país, fortemente marcada por conflitos traumáticos envolvendo governo, guerrilhas e paramilitares, com diversos assassinatos de políticos, sindicalistas, ativistas, estudantes e candidatos à presidência, que fizeram baixas arrasadoras de lideranças das classes populares.

No início do mês, o candidato Petro chegou a cancelar alguns eventos de campanha por receber, segundo sua equipe, ameaças de morte. Os processos eleitorais da Colômbia têm histórias de atentados que vão desde o assassinato de Jorge Eliécer Gaitán, em 1948, até o homicídio nunca desvendado de Álvaro Gómez Hurtado, em 1995, passando pela campanha de 1990, quando três candidatos foram mortos. A atual campanha de Petro, chamada “Pacto Histórico”, é um projeto, explicou Amanda, que reúne movimentos indígena, negro, ambientalista, campesino e de ex-guerrilheiros. “Um movimento nacional popular e abrangente”, diz.

Ela também faz parte de um movimento político feminista chamado Estamos Listas (Estamos Prontas, em português), que luta por transição democrática, justiça econômica, social e ambietal e um futuro de paz. “Da Colômbia, nasce uma esperança. Faremos tudo o que for possível para seguir lutando para que a transição de poder seja real”, torce, dizendo que, ao chegar ao Brasil, pode ver que as questões da política racista são, na verdade, globais. “O que vocês vivem aqui nas favelas e nos bairros contra a população negra é o que vivem os irmãos e as irmãs na Colômbia, na Venezuela, no Equador, no Chile, na África, no mundo”, comparou, frisando a importância de gritar “poder negro”, sendo repetida e aplaudida pela plateia na livroteca.

Não há fotos de Amanda Hurtado nesta matéria por motivos pessoais.

“Vamos ter que fazer imposições dentro dos partidos”

Jolúzia BatistaA, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea)

Jolúzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea). Crédito: Arnaldo Sette/MZ

Sob sentimentos ambíguos de esperança e desespero, Jolúzia Batista, do Cfemea, falou dos desafios de enfrentamento do fundamentalismo religioso, que, nas palavras dela, “vem fluindo sobre os escombros de uma população que foi empobrecida por dois anos de pandemia, mas surfando na onda de uma sociedade que guarda uma veia conservadora muito forte”, lembrando o que alguns teóricos chamam de neoconservadorismo. “Um conservadorismo que nós, feministas, temos dito que é um momento do conservadorismo antidireitos, fundamentalista, racista”, explicou, lembrando que são forças que têm avançado ao redor do mundo, revigorando agendas de morte.

Na avaliação de Jolúzia, que também integra a Articulação de Mulheres Brasileiras (AMB) e a Frente Nacional contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, as várias lutas são para poder colocar as agendas de mulheres nas ruas, para tensionar parlamentares do campo da esquerda e para poder dizer à esquerda que “nós não somos temas específicos nem somos lutas identitárias. Nós estamos no centro, na estrutura, no esqueleto da dominação, das opressões”.

Jolúzia lembrou ainda que a luta em curso é também contra “a indústria da mentira” e as fake news, que têm aumentado estigmas e disseminado ódio e preconceitos, com forças conservadoras que têm crescido no Congresso. “A gente viveu o momento Eduardo Cunha e a gente vive agora o momento Arthur Lira, que é a expressão do coronelismo mesmo”, relembra, falando do engessamento da estrutura que tem impedido as pautas feministas e antirracistas de avançarem. “O que a gente tem conseguido é segurar desgraças”, avalia.

Ao mesmo tempo, Jolúzia vê no momento a oportunidade de alinhar candidaturas e plataformas. Mas ela também chama a atenção para um ponto fundamental: “Toda iniciativa para aumentar mulheres na política é importante, mas não basta ser mulher. Temos que saber onde essas mulheres estão, o que elas estão dizendo, em que lado elas estão, qual é a pauta, a plataforma política e a agenda? Porque a gente tem agora uma bancada feminina que atua no conservadorismo propondo o projeto punitivo achando que está fazendo política para mulher. Mulheres que relativizam o feminismo e nossas vidas e estão relativizando a nossa agenda”.

“É uma bancada que acha que é o feminino, e não o feminismo, não é uma bandeira progressista. Não tem nenhuma vergonha de dizer que chegaram na carreira política pelo título e pela herança coronelista do pai e do avô”, acrescenta. Para ela, também não basta ser de esquerda, é preciso ter uma perspectiva dos movimentos dentro dos partidos. “Vamos ter que começar a fazer mais imposições dentro dos partidos”, acredita.

As imagens desta reportagem foram produzidas com apoio do Report for the World, uma iniciativa do The GroundTruth Project.

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AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com