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Especialistas analisam o Juntos Pela Segurança do governo Raquel

Marco Zero Conteúdo / 03/08/2023

Crédito: Arnaldo Sete/MZ (Arquivo)

por Jorge Cavalcanti*

O programa Juntos Pela Segurança da gestão Raquel Lyra (PSDB) pretende substituir o Pacto Pela Vida do PSB como política de combate à violência e criminalidade em Pernambuco. O plano está em fase de elaboração e vai ser lançado à sociedade no dia 28 de setembro. O decreto que o institui foi assinado pela governadora na segunda-feira (31), numa solenidade no Centro de Convenções, em Olinda. No anúncio cercado de expectativa, o governo fez uma apresentação de slides e exibiu o que serão “diretrizes, eixos estratégicos e instrumentos”. Questionamentos e dúvidas, porém, permaneceram em aberto. A pedido da Marco Zero, três especialistas analisaram o que foi divulgado até o momento; apontaram o que pode vir a ser avanços e inovações e o que, desde já, suscita críticas e alerta.

Combate à violência contra mulher

No Pacto, a meta principal era diminuir os crimes contra a vida em 12% ao ano. O Juntos Pela Segurança mantém o indicador dos Crimes Violentos Letais Intencionais (ainda sem meta definida) e insere outros dois como prioridade: o combate à violência contra a mulher e aos crimes violentos contra o patrimônio. Em um estado em que 120 mulheres foram agredidas por dia em 2022, segundo balanço da Secretaria de Defesa Social (SDS), sem contar a subnotificação, a escolha política de priorizar o enfrentamento à violência de gênero foi bem recebida.

“As taxas no estado são maiores do que no restante do país. Eleger o enfrentamento a esse tipo de crime é uma necessidade e também uma inovação. Espero que o governo consiga, de fato, desenvolver. Em relação ao que o plano aponta como ações nessa área, diz pouco ainda. O fortalecimento da rede de assistência às vítimas é importante, mas é só um aspecto”, analisa a pesquisadora Ana Paula Portella. Ela é autora de Como morre uma mulher? A tese de doutorado foi premiada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes como a melhor da América Latina em 2016.

“O êxito no combate a esse tipo de crime só acontece se esse olhar estiver presente em todo o plano. Na linha de cidades seguras, é preciso ter um olhar de gênero, assim como na prevenção social, na repressão qualificada, no sistema prisional”, complementa a pesquisadora. 

Ana Paula Portela

Crédito: Divulgação

E o controle de armas de fogo?

Ana Paula destaca que sentiu falta de algo que tratasse desse aspecto. Nos últimos quatro anos do governo Bolsonaro, o Brasil vivenciou uma explosão no aumento de registros em mãos de civis, os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores). Foram cerca de 1 milhão de novas autorizações no período, salto de 474%. 

O controle de armas de fogo é atribuição da União, mas pode ser reforçado nos estados com o estímulo governamental focado no aumento do número de apreensões de armas de fogo. “Quanto mais armas nas casas, maior o risco de morte por violência doméstica. Quanto mais armas nas ruas, maiores os riscos de conflitos e mortes, inclusive de policiais”, destaca Ana Paula.

Prevenção à violência ainda tímida

O sociólogo José Luiz Ratton compareceu ao Teatro Guararapes, no Centro de Convenções. Foi ver de perto o anúncio do governo. Sentou numa cadeira em meio a policiais militares, ampla maioria na plateia. Embora a Prevenção à Violência seja um dos seis eixos apresentados, Ratton considera que – para ser suficiente – o plano precisa melhorar este aspecto. “Por ora, há pouca informação sobre as estratégias de prevenção social da violência em suas diversas formas”, sustenta ele.

“É preciso que o governo diga quais os territórios serão priorizados tanto do ponto de vista da atuação das forças de segurança quanto do fomento de programas sociais e de ações comunitárias e de mediação de conflito”, cobra Ratton. Ele é coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Crime, Violência e Políticas Públicas de Segurança da Universidade Federal de Pernambuco. 

Ratton teve papel importante na formulação e implementação do Pacto. De 2007 a meados de 2012, exerceu o cargo de assessor especial do então governador Eduardo Campos. Anos depois, nas gestões João Lyra (abril a dezembro de 2014) e Paulo Câmara (2015-2022), o sociólogo fez críticas públicas à gestão do programa. À época, o Pacto estava longe de bater a meta de 12% nas taxas de CVLIs. Ao contrário: registrava aumento de homicídios. Em 2017, Pernambuco anotou impressionantes 5.427 casos.

José Luiz Ratton Professor/Pesquisador do Departamento de Sociologia e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE

Cédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Secretaria de Administração Penitenciária

Um ponto do Juntos Pela Segurança que pode se mostrar positivo, para Ratton, é o desmembramento da pasta, que deixa de ser executiva e passa a ter status de secretaria quando o projeto de lei do Executivo for aprovado pela Assembleia Legislativa. O sistema prisional de Pernambuco vive hoje uma situação de crise humanitária, confirmada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado. São 23 unidades, que encarceram 35 mil homens e mulheres numa estrutura com capacidade para suportar menos de 14 mil.

Especialistas são unânimes em afirmar, porém, que não é apenas uma questão de construir mais presídios e aumentar o número de vagas e de nomeações de policiais penais. É preciso ação coordenada entre Poderes e medidas de desencarceramento, com foco em quem, de fato, precisa estar privado de liberdade. 

“A prisão é a opção pelo controle social, que opera pela sujeição constante das pessoas encarceradas. Levando em conta que é pela operação do sistema de justiça criminal que se chega ao encarceramento, é necessário explicitar que o Judiciário desempenha papel expressivo na chancela do aniquilamento dos corpos negros”, explica o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, divulgado no mês passado.

No âmbito do Executivo estadual, como ferramentas para lidar com a questão do encarceramento em massa, é possível direcionar a capacidade de inteligência e investigação das polícias para o desmonte de organizações criminosas e grupos de extermínio, em vez do foco na repressão ao consumo e tráfico de drogas em prisões caracterizadas por pequenas porções e ausência de arma de fogo.

Governadora como peça-chave do processo 

No início do Pacto Pela Vida, um ponto inovador consistiu na presença do governador no monitoramento mensal do trabalho dos operadores da segurança pública e na interlocução com outros Poderes, instituições e sociedade. Para Ratton, até o momento, “não ficou nítido qual o papel da governadora na coordenação do programa”. 

Antes de Eduardo Campos ser eleito em 2006, a prática dos governadores era a de manter um nível de distanciamento público das questões de segurança e violência, deixando-as a cargo do secretário da área, para evitar desgaste político. Na campanha eleitoral daquele ano, Eduardo chamou para si a responsabilidade e exerceu autoridade na gestão. “As forças policiais respondem ou deveriam responder ao poder civil, nos Estados representado e exercido por quem a população elegeu”, contextualiza Ratton.

Cadê as ações voltadas à população negra?

No Brasil, 77% das vítimas dos crimes contra a vida são pessoas negras, enquanto esta mesma população representa 56% da população total do país. Entre os quase 1 milhão de homens e mulheres encarcerados, as pessoas negras somam 68%. “Senti falta (no anúncio do governo) da menção à população preta. Não vi nada também sobre juventude. Avalio isso como uma grande lacuna. A gente sabe que as formas de violência, inclusive a letal, afetam os grupos sociais de formas distintas e em diferentes níveis”, registra a cientista social Edna Jatobá. Ela é coordenadora-executiva do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares). 

Edna Jatobá Coordenadora Executiva do GAJOP

Crédito: Arnaldo Sete MZ/Conteúdo

Ameaça à participação social

No grupo de autoridades com direito a assento no palco do Teatro Guararapes, na ocasião do anúncio do governo, a sociedade civil foi representada pela Federação das Indústrias de Pernambuco (Fiepe). Nenhuma organização que compõe o Conselho Estadual de Segurança Pública foi convidada para participar da elaboração do plano, até aqui. 

Nos próximos dois meses, dedicados à escuta popular por meio de um site e às oficinas temáticas, a possibilidade de participação social é bastante limitada, avalia Edna Jatobá. “A gente não teve nenhum espaço, apesar de ter solicitado essa pauta por duas vezes no conselho. Não se falou em Conferência Estadual de Direitos Humanos. O período e os meios disponibilizados à participação social deixam a desejar.”

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã.

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