Apoie o jornalismo independente de Pernambuco

Ajude a MZ com um PIX de qualquer valor para a MZ: chave CNPJ 28.660.021/0001-52

Extremistas voltam a ameaçar direitos das mulheres, mas sofrem nova derrota na Câmara do Recife

Raíssa Ebrahim / 26/08/2025
A foto mostra uma sala ampla, parecida com um plenário ou auditório público, onde várias pessoas acompanham uma sessão. Em primeiro plano, três mulheres estão sentadas lado a lado, segurando cartazes coloridos feitos à mão. As mensagens, escritas em letras grandes, expressam apoio à legalização do aborto e denunciam a gravidez forçada como forma de violência. O tom geral dos cartazes é de protesto e reivindicação de direitos, com frases curtas, diretas e impactantes. As cores vibrantes — como rosa, azul, verde e amarelo — reforçam a visibilidade e a força do ato. Ao redor, outras pessoas assistem em silêncio, algumas registrando o momento com celular.

Crédito: Paloma Luna

Os fundamentalistas da Câmara do Recife tentaram, mais uma vez, atacar os direitos de mulheres, crianças e pessoas que gestam. Os vereadores Felipe Alecrim (Novo) e Gilson Machado Filho (PL) propuseram dois Projetos de Lei (PLs) antiaborto baseados em fake news, alarmismo e desinformação.

A entrada da votação na pauta do dia, nesta terça-feira, 26 de agosto, surpreendeu e levou movimentos e organizações feministas a se mobilizarem junto à bancada de vereadoras progressistas, com faixas e cartazes com frases como “criança não é mãe” e “estuprador não é pai”, reforçando a mobilização contra o retrocesso.

O PL de Alecrim (147/2024) foi apelidado pela Frente Pernambuco pela Descriminalização e Legalização do Aborto como “PL da Tortura”. O projeto foi derrotado num placar apertado, de 15 votos a 12. Todos os votos a favor foram de homens. A iniciativa instituía, entre outros pontos, que mulheres, meninas e pessoas que gestam que podem acessar o aborto legalmente fossem obrigadas a escutar o batimento cardíaco de fetos.

Também seriam bombardeadas com desinformação e negacionismo antes de fazerem o procedimento. A ideia é que elas recebessem material falando dos malefícios do aborto, não comprovados cientificamente.

O texto final que seguiu para votação continha parecer com emenda supressiva de quatro artigos do projeto original feita pelo parlamentar Rinaldo Júnior (PSB), que votou contra o mérito do projeto. A estratégia foi tentar minimizar os impactos do projeto original.

Já o PL de Gilson Machado Filho (104/2025) queria instituir a “Semana de Conscientização da Síndrome Pós-aborto” no calendário oficial de eventos do Recife — síndrome esta que não tem qualquer comprovação científica nem faz parte da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). O parlamentar terminou pedindo o adiamento da votação.

Única mulher a subir à tribuna para falar, a vereadora Kari Santos (PT), que pediu a votação nominal, fez uma fala incisiva contra a proposta, citando a Constituição Federal e reafirmando o direito ao aborto previsto em lei em casos de estupro, risco de vida para a gestante ou anencefalia do feto. Para a parlamentar, o projeto representava uma tentativa de revitimizar mulheres que já sofreram violência, impondo barreiras indevidas a um direito garantido.

“Ao invés de acolher, o Estado estaria colocando mais dor sobre quem já carrega um trauma. Isso é inaceitável. Não vamos permitir retrocessos”, afirmou.

A vereadora Jô Cavalcanti (Psol) comentou: “Um PL que representa um ataque travestido de cuidado. Não tinha relação com saúde pública ou prevenção, mas sim com a imposição de culpa, de constrangimento e medo. Ignorava políticas reais de acolhimento, educação sexual e planejamento reprodutivo”.

“PL da Tortura”: confira a votação nominal

Placar final: 15 não X 12 sim

Agora é Rubem (PSB): sim
Alcides Teixeira Neto (Avante): ausente
Alef Collins (PP): sim
Carlos Muniz (PSB): não
Chiko Kiko (PSB): ausente
Davi Muniz (PSD): sim
Eduardo Mota (PSB): não
Eduardo Moura (Novo): sim
Felipe Alecrim (Novo): sim
Felipe Francismar (PSB): sim
Flávia de Nadegi (PV): não
Gilson Machado Filho (PL): sim
Hélio Guabiraba (PSB): ausente
Jô Cavalcanti (Psol): não
Júnior Bocão (PSD): ausente
Júnior de Cleto (PSB): não
Kari Santos (PT): não
Liana Cirne (PT): ausência justificada (motivo de doença)
Luiz Eustáquio (PSB): sim
Natália de Menudo (PSB): não
Osmar Ricardo (PT): não
Paulo Muniz (PL): sim
Rinaldo Júnior (PSB): não
Rodrigo Coutinho (Rep): não
Samuel Salazar (MDB): não
Tadeu Calheiros (MDB): ausência justificada
Thiago Medina (PL): sim
Wilton Brito (PSB): ausente
Romerinho Jatobá (PSB):
Zé Neto (PSB): não
Profa Ana Lúcia (Rep): ausência justificada
Adalberto Pinto (PSB):
Eriberto Rafael (PSB): não
Cida Pedrosa (PCdoB): não
Fred Ferreira (PL): sim
Fabiano Ferraz (MDB): não
Gilberto Alves (PRD): sim

Kari propõe multa de R$ 1 milhão a quem impedir aborto legal

Em contraponto ao fundamentalismo, a vereadora Kari apresentou na Câmara Municipal um PL que cria penalidades severas para pessoas ou instituições que impeçam ou dificultem o acesso a serviços de saúde já garantidos pela legislação brasileira, em especial os casos de interrupção da gestação previstos no artigo 128 do Código Penal e aqueles autorizados judicialmente.

A proposta é uma resposta direta ao episódio de 2020, quando uma menina de 10 anos, vítima de estupro pelo tio, precisou viajar do Espírito Santo até Recife para realizar o procedimento no Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam).

A foto mostra a vereadora Kari Santos discursando em um ambiente que parece ser uma audiência pública ou sessão oficial. Ela fala ao microfone com expressão firme e braço erguido em gesto de determinação. Usa óculos de armação escura, tem cabelo preso e veste uma blusa avermelhada com riscas brancas. Atrás dela, um cartaz manuscrito em letras vermelhas traz a frase “CRIANÇA NÃO É MÃE!”, mensagem de protesto clara e incisiva. O ambiente é formal, com outras pessoas desfocadas ao fundo. O tom geral da cena transmite engajamento político e luta por direitos, destacando a energia e a convicção da vereadora.

Kari Santos foi a única mulher a discursar contra os projetos dos bolsonaristas

Crédito: Carlos LIma/Divulgação

Relembre aqui o caso em reportagem da Marco Zero.

Mesmo com autorização judicial, a criança foi alvo de manifestações violentas que tentaram impedir a realização do aborto legal. Extremistas chegaram a quebrar a porta do hospital e a expor publicamente a vítima, chamando-a de “assassina”. O caso ganhou repercussão nacional e evidenciou a ausência de mecanismos de proteção contra esse tipo de intimidação.

O PL de Kari prevê multas que variam de R$ 50 mil a R$ 500 mil, podendo chegar a R$ 1 milhão em caso de reincidência; demissão de servidores ou rescisão de contratados envolvidos; proibição de contratar com a prefeitura por 15 anos; criação de um canal oficial de denúncias, com possibilidade de envio anônimo; e obrigatoriedade de cartazes em unidades de saúde informando sobre o direito ao aborto legal e sobre como denunciar obstáculos.

O projeto destina ainda os recursos arrecadados com as multas ao fortalecimento de políticas públicas municipais de saúde, ampliando a rede de atendimento. O texto deve ser debatido nos próximos meses e, se aprovado, poderá tornar Recife pioneira em adotar medidas concretas para prevenir a revitimização de meninas e mulheres que buscam exercer direitos já assegurados em lei.

Câmara aprova moções de repúdio a Trump e Eduardo Bolsonaro

Outra derrota da extrema-direita nesta terça (26) na Casa José Mariano foi a aprovação das moções de repúdio propostas pela vereadora Cida Pedrosa (PCdoB) ao deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

A iniciativa contra Eduardo Bolsonaro foi “por ele atuar contra os interesses nacionais ao se articular com integrantes do governo de um país estrangeiro, com o objetivo de pressionar o Poder Judiciário brasileiro a interromper investigações que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro, conduta que configura afronta direta à soberania nacional e que pode se enquadrar nos crimes de coação no curso do processo (artigo 344 do Código Penal), obstrução de investigação (artigo 2º, parágrafo 1º, da lei nº 12.850/2013) e atentado à soberania nacional (artigo 359-i do Código Penal)”.

“Sem soberania, um país não sobrevive. Sem um projeto democrático para uma Nação, um país não prospera. E o que Eduardo Bolsonaro fez, ao ir para os Estados Unidos, foi estimular medidas que ferem de morte a economia brasileira, botando empregos e trabalhadores em situação difícil”, disse Cida Pedrosa.

Já o requerimento que concedeu moção de repúdio a Trump argumentou “pela imposição de tarifas punitivas que violam a soberania nacional e que atentam contra as instituições democráticas do Brasil, além de investigação contra o pix”.

Dia do Combate à Cristofobia aprovado em primeira votação

Em dia movimentado na Câmara do Recife, também foi aprovado, em primeira votação, o “Dia Municipal de Combate à Cristofobia”, a ser celebrado anualmente em 5 de junho, proposto pelo vereador Alef Collins (PL).

O parlamentar afirmou que “tendo o entendimento da importância de nos respeitarmos, a fé, a crença, é algo muito importante que não podemos abandonar, uma vez que nós a carregamos na nossa vida. Entendemos que vivemos num estado laico, mas a grande maioria [dos brasileiros], mais de 85%, são cristãos católicos, evangélicos, espíritas e de outras religiões que creem na personificação de Jesus Cristo. Portanto, esta não é uma pauta ideológica, é a defesa da fé”.

Em aparte, a vereadora Cida Pedrosa ressaltou que, apesar de a maioria da população ser cristã, “o estado é laico e a gente precisa pensar que nenhuma religião deve ser colocada em primeiro lugar”. Acrescentou ainda que “se existe uma fobia [religiosa] e um preconceito nesse Brasil, é contra as religiões de matriz africana”.

O PL recebeu 17 votos favoráveis e quatro contrários, mas ainda precisa voltar para segunda votação na próxima reunião plenária

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornais de bairro do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com