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Geraldo Julio e João Paulo têm muitas explicações a dar ao eleitor recifense

Laércio Portela / 03/10/2016

Toda vez que o eleitor prorroga uma eleição para o segundo turno ele está mandando um recado para os candidatos: não formou convicções e deseja mais provas de que os postulantes serão capazes de cumprir seus compromissos. O prefeito e candidato a reeleição Geraldo Julio (PSB) e o ex-prefeito João Paulo (PT) têm muitas explicações a dar para os recifenses.

Primeiramente, esta foi uma eleição até aqui marcada pela falta de debate. E os dois candidatos têm muita responsabilidade por isso. Geraldo não aceitou os convites feitos por entidades da sociedade civil para os confrontos. João Paulo se ancorou na postura do prefeito para não se expor e condicionou sua ida à participação de Geraldo. Resultado: nada de debate.

As TVs e rádios locais também fizeram a sua parte. Surpreendentemente, ou não, trocaram a tradição de realizar encontros cara a cara entre os candidatos por entrevistas separadas. Muito conveniente para os líderes das intenções de votos. Espera-se, agora, no segundo turno, postura diferente das empresas de comunicação pernambucanas e dos concorrentes.

Como tem se tornado de praxe nas disputas eleitorais municipais, os programas eleitorais dos candidatos deram centralidade a obras realizadas, ou não realizadas, e novas obras prometidas. Discutiu-se pouco, ou nada, as concepções de cidade que estão ocultas no jogo eleitoral. Temas como a segregação social, as relações poder público/capital privado e a ocupação do espaço urbano ficaram onde os políticos preferem colocá-los, longe do olhar crítico e questionador do eleitor.

Neste sentido, não surpreende que assuntos que mobilizaram setores representativos da sociedade nos últimos anos tenham passado ao largo do debate no primeiro turno: o projeto Novo Recife, no Cais José Estelita, para citar um tema eminentemente local (mas que se repete em cidades do mundo todo) e a gravíssima crise política que colocou em lados diametralmente opostos o PSB e o PT no cenário nacional.

Mesmo nos temas mobilizados e “controlados” pelos próprios candidatos há muito o que explicar. Durante 45 dias, a Marco Zero Conteúdo participou do projeto Truco Eleições 2016, da Agência Pública, acompanhou e checou as declarações de Geraldo Julio e de João Paulo, além dos outros seis postulantes ao mandato de prefeito, e constatou que há muitas fragilidades e meias verdades nos discursos dos candidatos que agora se enfrentarão no segundo turno. Veja algumas delas aqui:

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Projeto Novo Recife

Para o prefeito Geraldo Julio o assunto está encerrado, o novo desenho do projeto atende as expectativas e demandas da sociedade civil e deve sair do papel nos próximos anos. João Paulo divulgou texto no facebook se eximindo da responsabilidade pela venda do terreno para o consórcio Novo Recife quando era prefeito e agora fala até na possibilidade de desapropriar a área. Discurso eleitoral ou verdade? Precisa ser mais claro sobre até que ponto está disposto a ir para atender os reclamos da sociedade civil organizada.

Violência

O número de homicídios cresceu 32% nos últimos três anos no Recife. A oposição explorou o aumento da violência, mas o candidato socialista pouco falou sobre o tema. Como não houve debate, pôde tirar o assunto da sua pauta. Mas no programa de governo de 2012 disse que ia enfrentar pessoalmente o problema da segurança implantando o Pacto pela Vida na cidade. A estratégia, notadamente, não vem dando certo. O prefeito precisa explicar claramente que mudanças pretende implementar nessa área para reduzir os crimes.

Habitação

Geraldo Julio reagiu à acusação de Daniel Coelho (PSDB) de que ele gastou mais no seu gabinete de prefeito do que com a Secretaria de Habitação em 2015. Atacou o tucano dizendo que o parlamentar custa anualmente o dobro para o contribuinte (o que não é verdade). Mas não explicou por que os investimentos em habitação estão tão reduzidos, nem se comprometeu com metas para os próximos quatro anos. João Paulo se vangloriou de ter realizado o maior programa habitacional do Recife (o que é questionável), mas, assim como seu adversário, não avançou sobre a política de redução do déficit de moradia.

Saúde e Hospital do Idoso

João Paulo tem acusado Geraldo Julio de dar pouca atenção para a saúde básica da população, tendo reduzido o Programa de Saúde da Família. O carro-chefe do prefeito é o Hospital da Mulher, promessa cumprida da campanha de 2012. O que tem sido pouco discutido é o modelo de saúde que a cidade precisa. A mortalidade infantil tem caído a um ritmo mais lento nos últimos anos e a mortalidade materna tem alternado entre quedas e subidas nos últimos 16 anos. Enquanto isso, o prefeito promete construir um novo grande hospital no Recife: o do Idoso. Mas sem dizer onde ele vai ser erguido, com quais recursos e quais suas metas de atendimento. O Truco Eleições 2016 questionou tudo isso à assessoria do candidato, mas não recebeu nenhum esclarecimento.

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Cliclovias, ciclofaixas e ciclorotas

As ciclovias praticamente não foram abordadas pelo candidato petista. Quando falou, foi para dizer que ele começou o processo de implantação deste modal no Recife. No segundo-turno, João Paulo precisa esclarecer ao eleitor a importância que dá para o tema e o quanto pretende avançar na implantação das ciclovias, ciclofaixas e ciclorotas. Geraldo Julio, ao contrário de João Paulo, explorou o assunto em seus programas de rádio e TV e em suas redes sociais. Destacou a construção de 17,7 quilômetros de estrutura cicloviária em sete rotas, mas omitiu que isso representa bem menos do que os 76 quilômetros a que se comprometera no programa de governo de 2012.

Investimento e custeio da máquina

Sempre que abordou a crise econômica, Geraldo Julio associou-a à impossibilidade de cumprir todos os compromisso assumidos em 2012. Quando falou da gestão financeira da Prefeitura, fez uma outra abordagem, insistindo que dobrou a capacidade de investimento e barateou o custeio. Se o quadro desenhado pelo gestor é verdade para o biênio 2013/2014, ele não se mantém para os anos 2015 e 2016. Os investimentos estão em queda e o comprometimento da receita com o pagamento de pessoal e encargos em alta. Um cenário complexo para a futura administração. Os eleitores precisam ser informados sem subterfúgios estatísticos sobre a questão e saber dos dois candidatos como vão trabalhar para equilibrar o orçamento e a gestão financeira da PCR.

Ensino Fundamental

As notas e o posicionamento do Recife no ranking do Ideb foram distorcidos, exagerados e tirados do contexto ao sabor dos interesses dos candidatos no primeiro turno. No cômputo geral, Recife alterou pouco sua posição no ranking das capitais e vem subindo gradualmente as notas dos seus alunos do 5o e 9o anos. Enquanto João Paulo destaca seus programas de fardamento e merenda escolar e Geraldo Julio dá visibilidade à Robótica nas escolas, pouco se discute o modelo educacional para a cidade que dê conta de responder como Teresina com apenas 11% a menos de alunos na rede municipal e metade do orçamento consegue um desempenho muito superior ao do Recife no Ideb do ensino fundamental.

Creches

O déficit de creches foi tema recorrente no primeiro turno. Alguns candidatos defenderam a compra de vagas em instituições privadas para atacar o problema. Medida criticada por especialistas. João Paulo investiu na denúncia de fechamento de unidades na gestão Geraldo Julio. O prefeito prometeu abrir mais 1.500 vagas sem explicar, no entanto, o não cumprimento do compromisso de construir 42 creches-escolas feito em 2012. Apenas dez foram entregues até o momento. O Truco Eleições 2016 questionou o prefeito sobre o assunto, mas não obteve resposta.

Uber x Táxi

Geraldo Julio se comprometeu com os taxistas a aumentar a fiscalização contra o transporte remunerado de passageiros não licenciados, entenda-se Uber, no Recife. João Paulo defende a regulamentação. Para Geraldo essa é uma atribuição do Congresso Nacional. Para o petista, só ele tem condições de negociar uma saída pacífica entre motoristas de Uber e taxistas. Mas, convenhamos, isso é pouco para o eleitor neste momento. Questionado pelo Truco Eleições 2016, o candidato foi evasivo sobre os parâmetros da negociação que pretende coordenar. Sequer comentou os pilares da regulamentação implantada pelo seu correligionário Fernando Haddad em São Paulo.

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Conde da Boa Vista

Artéria principal do fluxo de veículos e transporte público no Recife, a Conde da Boa Vista tornou-se um dos alvos eleitos por Geraldo para criticar o modo de gestão de João Paulo. Geraldo tem se compromissado a reduzir o tempo de circulação do transporte público na avenida e dar mais espaço para os pedestres, enquanto João Paulo rebate o prefeito dizendo que ele e o seu partido participaram da elaboração da reforma da Boa Vista na gestão petista. Falta ao candidato do PT avançar nas mudanças que ele próprio pretende fazer na Conde da Boa Vista ou então defender claramente o modelo que implementou para o Centro.

Impeachment e cenário nacional

Os analistas costumam dizer que os temas nacionais têm menor importância do que os locais nas disputas municipais. E isso faz todo o sentido. Mas daí à invisibilização completa do impeachment e do novo arranjo do poder em Brasília no debate político do Recife existe uma distância grande. Se o comprometimento do estado democrático de direito e a ética são temas que os dois candidatos querem manter afastados do debate, cabe pelo menos à imprensa e à sociedade civil tirá-los dessa zona de conforto e fazê-los se posicionarem sobre os aspectos políticos mais espinhosos que depois da eleição são mascarados sob o manto da “governabilidade”.

AUTOR
Foto Laércio Portela
Laércio Portela

Co-autor do livro e da série de TV Vulneráveis e dos documentários Bora Ocupar e Território Suape, foi editor de política do Diário de Pernambuco, assessor de comunicação do Ministério da Saúde e secretário-adjunto de imprensa da Presidência da República