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Governadora quer reduzir violência em 30% até 2026, mas não explica como isso vai acontecer

Marco Zero Conteúdo / 27/11/2023
Raquel Lyra, vestida com conjunto de casaco e calça comprida marrom claro, cumprimenta mulher policial civil vestida com blusa preta, calça jeans e boné preto, ao lado de viatura preta da Polícia

Crédito: Miva Filho/Secom

por Jorge Cavalcanti*

A governadora Raquel Lyra (PSDB) apresentou, enfim, à sociedade o plano estadual de segurança pública e defesa social, batizado de Juntos Pela Segurança, na manhã de segunda-feira (27), em solenidade na Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata, no Grande Recife. A novidade principal é o estabelecimento da meta de redução de 30% até 2026 dos três indicadores elencados como prioridade. São eles: os crimes contra a vida, a violência contra a mulher e os roubos. 

“A gente coloca aqui metas ousadas. Todo mundo sabe que o perfil da criminalidade mudou ao longo dos últimos anos. E, para mudar o enfrentamento à criminalidade, a gente precisa mudar junto, com investimento em inteligência policial, integração com outro órgãos e Poderes e busca de recursos para que não sejam anunciados feitos vazios”, discursou Raquel Lyra, diante de uma plateia formada, na maioria, por servidores da área da segurança pública.

No ano passado, foram registradas em Pernambuco 3.425 mortes violentas intencionais (MVIs). Nos dez primeiros meses desse ano, foram notificadas 2.994 ocorrências desse tipo. Se a tendência for mantida, o ano de 2023 fechará com aumento dos crimes contra a vida, na comparação com 2022, o que eleva ainda mais o desafio de cumprir a meta do Juntos Pela Segurança. Caso o governo alcance, de fato, a redução de 30% do indicador até 2026, será o menor índice desde 1985. 

Para efeito comparativo, o Pacto Pela Vida – anunciado como política de segurança pública pelo então governador Eduardo Campos em 2007 – tinha como meta a redução de 12% ao ano dos crimes contra a vida. O objetivo foi alcançado pela primeira vez em 2010. Depois, a meta foi batida apenas mais duas vezes em 16 anos de governos do PSB: outra vez com Eduardo e numa ocasião com Paulo Câmara governador.

“Quando a gente olha para a meta de 30% de redução até 2026, nos parece ousada e também inatingível, levando em consideração o contexto. Acabamos de presenciar o desenho do plano, mas ainda não tivemos as ações concretas anunciadas, o que deixa a gente da sociedade civil num lugar de ceticismo”, avalia Ana Maria Franca, coordenadora regional do Instituto Fogo Cruzado, que produz dados sobre a violência armada em alguns estados, incluindo Pernambuco. 

Outra novidade é a redefinição territorial do estado no que diz respeito à implementação e monitoramento da política de enfrentamento à violência. Antes, Pernambuco era dividido em 26 áreas integradas de segurança. Daqui para frente, serão nove regiões. Veja o mapa acima.

A gestão acumulou atrasos no anúncio do Juntos Pela Segurança. O plano foi apresentado à sociedade quatro meses depois da solenidade que aconteceu no Centro de Convenções, em Olinda, no dia 31 de julho. A expectativa era que o plano fosse publicizado ali, de acordo com a declaração da governadora em entrevista em rede nacional ao programa Roda Viva. Na ocasião, o governo acabou divulgando apenas um cronograma de ações que teve a etapa final cumprida com dois meses de retardo.

Violência contra a mulher em alta do litoral ao sertão

Dos três indicadores elencados pelo governo como prioridade, o da violência de gênero é o que apresenta a mancha criminal mais espalhada pelo mapa de Pernambuco. Para a deputada Dani Portela (PSOL), faltou o governo detalhar quais estratégias serão utilizadas para alcançar a redução de 30% das ocorrências até 2026. “Falta saber como o governo pretende bater a meta”, avalia a parlamentar. Dani é líder da bancada de oposição na Assembleia Legislativa e esteve presente à solenidade de apresentação do plano.

Um obstáculo no enfrentamento da violência contra a mulher é a subnotificação das ocorrências por vários fatores que vão desde do medo, estigma e dependência em relação ao homem até a falta de atendimento adequado nas delegacias. Na análise do indicador feminicídio, nos dez primeiros meses desse ano, 65 mulheres foram assassinadas por motivação exclusivamente ligada à condição do gênero. Foram quatro vítimas a mais do que o mesmo período do ano anterior.

Sistema prisional entre as prioridades

Outro enfoque do Juntos Pela Segurança é o sistema prisional do estado, considerado um dos piores do Brasil pelo Conselho Nacional de Justiça e a Human Rights Watch, entidade internacional de defesa dos direitos humanos. Pernambuco confina cerca de 35 mil homens e mulheres num sistema com capacidade para menos de 14 mil vagas. A superlotação carcerária é uma das maiores do País e tem como uma das principais causas a falta de julgamento por parte do Judiciário.

De acordo com o governo estadual, o Juntos Pela Segurança pretende construir mais 7.950 vagas e elevar para 40% do total de pessoas sob a custódia do Estado a proporção que têm acesso a estudo ou trabalho até 2026. “Vamos acabar também com essa história de um dia na cadeia servir por dois porque o sistema penitenciário de Pernambuco é caótico e fomos condenados pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. Isso vai acabar, não com discurso, mas com trabalho integrado”, prometeu Raquel Lyra. 

Plano não prevê câmeras na farda de PMs 

Outra cobrança da líder da oposição na Assembleia foi sobre a instalação de câmeras no fardamento de policiais militares. “Nada foi dito ainda sobre isso, apesar da Secretaria de Defesa Social ter anunciado em janeiro que iria implementar o equipamento num prazo de até três meses. O contrato com uma empresa chegou, inclusive, a ser assinado”, relembrou. 

Estudo recente da Fundação Getúlio Vargas mostrou que o uso da tecnologia reduziu em 40% a letalidade policial no estado de São Paulo. Em relação a esse aspecto, Pernambuco registrou aumento de 20% nos casos nos dez primeiros meses desse ano, na comparação com o mesmo período do ano passado. Foram, até agora, 95 pessoas que perderam a vida em consequência da ação da polícia, contra 79 no período anterior.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública monitora a letalidade policial desde 2013. A série histórica indica que o número cresce ano a ano. A nomenclatura “morte decorrente de intervenção policial” sugere confronto ou uso legítimo da força letal. Mas nem sempre é assim, como mostra o caso ocorrido nesse mês na comunidade do Detran, no bairro da Iputinga, zona oeste do Recife, em que policiais do Batalhão de Operações Especiais foram flagrados invadindo uma residência e executando dois homens.

Conheça abaixo a íntegra do plano Juntos pela Segurança:

*Jornalista com 19 anos de atuação profissional e especial interesse na política e em narrativas de garantia, defesa e promoção de Direitos Humanos e Segurança Cidadã

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