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Sociedade civil se mobiliza para derrubar decreto da Tamarineira

Inácio França / 13/11/2020

Crédito: imagem do projeto executivo do Parque Tamarineira

O coletivo Direitos Urbanos protocolou nas promotorias de Meio Ambiente e de Urbanismo do Ministério Público uma representação pedindo a suspensão imediata dos efeitos decreto sobre o parque da Tamarineira.

As 33 entidades que formam a Articulação Recife de Luta deu inicio a uma campanha popular para que o mesmo decreto seja revogado.

Na Câmara Municipal, dois vereadores de oposição se mobilizaram: um vereador, Jayme Asfora (Cidadania) cobrou explicações formais do prefeito. Outro, Ivan Moraes Filho (PSOL), apresentou um projeto de decreto legislativo para cancelar o decreto do poder executivo.

Em todos os casos, os protagonistas asseguram que o conteúdo do decreto 34.113, de 6 de novembro, é repleto de artigos que o tornam ilegal.

A maior parte dos argumentos contrários ao decreto concentra-se nos capítulos II, onde estão estabelecidos os potenciais construtivos para a área nos artigos 2º e 4º, e III, onde dos artigos 6º ao 10º, autorizaria para o terreno um instrumento jurídico chamado Transferência do Direito de Construir.

Já a equipe da prefeitura enfatiza que o ponto mais importante do decreto estaria no preâmbulo em que o objetivo é anunciado: “determinando, em caráter exclusivo e permanente o atendimento da função social de parque público”. O trecho foi retirado integralmente do artigo 3º da lei 17.802/2012, que criou – ao menos formalmente – o Parque da Tamarineira.

Vamos detalhar abaixo, os itens questionados pelos críticos e os principais argumentos de cada uma das partes:

Capítulo II

  • O que diz a prefeitura

Os parâmetros urbanísticos foram incluídos no decreto para garantir a permanência dos prédios históricos que já existem no local, ou seja, para que as construções existentes não fiquem fora da lei. Para a assessoria do prefeito Geraldo Julio, o item mais importante desse capítulo é o artigo 5º: “Ficam proibidas na UCP Parque da Tamarineira qualquer intervenção que comprometa o patrimônio ambiental e cultural hoje existente no seu perímetro”.

  • O que diz Rud Rafael, da organização não-governamental Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), entidade que integra a Articulação Recife de Luta:

“Estão atribuindo potencial construtivo para uma área tombada desde novembro de 1991. A destinação da área para ser um parque é desnecessária, já existe desde 2012. O que está no decreto autoriza a prefeitura a liberar a construção de edifícios com essas dimensões no terreno”.

  • O que diz Leonardo Cisneiros, advogado e professor universitário do coletivo Direitos Urbanos, autor da representação ao Ministério Público:

“Pode ser que realmente a prefeitura não tenha interesse em construir edifícios no parque, mas, seja por erro de redação ou má técnica jurídica, os parâmetros urbanísticos utilizados no decreto liberam a construção de edifícios de até oito andares num setor do parque e de cinco andares no setor de proteção mais rigorosa”.

  • O que diz Jayme Asfora, vereador que, em 2019, realizou audiência pública para cobrar prazos para implantação do parque:

“Mencionar a lei 17.802 no cabeçalho do artigo foi para dourar a pílula. Um decreto do executivo não pode, jamais, ir além da lei ou inovar em relação ao que diz a lei. Ao estabelecer potenciais construtivos, o decreto fez exatamente isso. Daí, é flagrantemente ilegal. Ele vai contra o espírito da lei que foi aprovada no legislativo municipal. E quando proíbe, em outo artigo, qualquer intervenção que comprometa o patrimônio ambiental e cultural, dá a entender que é possível construir desde que não comprometa o patrimônio”.

Capítulo III

  • O que diz a prefeitura

Até o momento do fechamento dessa reportagem, a assessoria da Prefeitura do Recife não havia respondido ao pedido de esclarecimento da Marco Zero. Quando a resposta for enviada, esse item será imediatamente atualizado.

  • O que diz Leonardo Cisneiros

“A Santa Casa ou a empresa que arrendou o terreno não têm direito a potencial construtivo desse terreno, pois ele é tombado desde 1991. E não existe direito adquirido ao potencial construtivo ou quando se fala em direito adquirido. Há pelo menos duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabeleceu a jurisprudência disso. Mesmo se existisse, não teria direito porque a área toda já é tombada. É uma coisa completamente sem sentido”.

  • O que diz Rud Rafael

O tombamento da Tamarineira é do inicio dos anos 1990. A legislação do tombamento no Brasil vem dos anos 1930. A Transferência de Direito de Construir só aparece no ordenamento jurídico brasileiro em 2001. Se você for transferir potencial construtivo em todo imóvel tombado, o que vai acontecer? Vai desvirtuar o instrumento do tombamento, que é uma limitação do direito de propriedade para que este cumpra sua função social. O Sítio Histórico de Olinda todo teria potencial construtivo. Isso é invenção da prefeitura para atender ao mercado imobiliário e para compensar a Arquidiocese.

  • O que diz Ivan Moraes Filho

“O instrumento assinado por Geraldo Julio extrapola os limites da delegação legislativa, ao usurpar competência da Câmara Municipal, regulamentando a Transferência do Direito de Construir, que ainda precisa de lei especifica a ser discutida com toda a sociedade”.

  • O que diz Jayme Asfora

“O artigo 35 do Estatuto da Cidade, de 2001 é bem claro que a Transferência do Direito de Construir só pode ser criado pelo município por uma lei específica, aprovada na Câmara Municipal. Também precisa ser previsto no Plano Diretor, mas o plano vigente no Recife não menciona esse instrumento. O decreto do prefeito, aliás, desrespeita o legislativo, pois o novo plano diretor está em discussão e sequer foi votado. Criar esse instrumento por decreto é absurdo”.

Link para o Diário Oficial do Recife com o decreto 34.113

Link para nota da Articulação Recife de Luta

Link para a lei 17.802/2012, que cria o Parque da Tamarineira

Link para o Estatuto da Cidade

Links para decisões do STF que determina não existir direito de construir adquirido: Decisão 1 e Decisão 2

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.