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Torcedores LGBTQIA+ fortalecem a luta contra a discriminação nas arquibancadas

Kleber Nunes / 17/05/2021
June Silva, 23 anos, torcedora do Santa Cruz

Coral Pride, coletivo de torcedores do Santa Cruz, usa o lema “Orgulho além das três cores” na luta por um espaço mais acolhedor aos tricolores LGBTQIA+ nos estádios. Crédito: Arquivo Pessoal

O doutor em economia e ex-BBB Gilberto Nogueira, 29 anos, nunca tinha ido a um estádio de futebol. Homossexual, Gil do Vigor sempre viveu sua paixão pelo Sport Club do Recife bem longe da Ilha do Retiro por medo de ser agredido nas arquibancadas. Dias depois se sair do reality, o receio do rubro-negro se confirmou, junto com a realização do sonho de ir ao campo, e ele foi vítima de homofobia por parte de integrantes do conselho do clube.

A exposição e o repúdio que o episódio teve chamam a atenção para um movimento silencioso que tem crescido apesar do barulho que a LGBTfobia faz nos espaços das torcidas. São grupos ou torcedores LGBTQIA+ que estão lutando para terem o direito de torcer pelo time do coração sem medo de serem xingados ou agredidos fisicamente.

Com apoio da internet, essas iniciativas estão aproveitando o debate para que os estádios se tornem ambientes mais seguros para todos no retorno às arquibancadas, quando a pandemia de Covid-19 permitir. Contudo, mesmo nas redes sociais, os torcedores LGBTQIA+ temem se expor. Sem torcida ou coletivo formalizado, os rubro-negros contam com o perfil no Twitter “Sport Recife LGBTQ”. A conta é administrada por um torcedor que tem receio de sair do anonimato.

“Orgulho além das três cores”

A publicitária June Silva, 23 anos, herdou do pai o amor pelo Santa Cruz e, assim como ele, embora morando na Bomba do Hemetério, há poucos quilômetros do estádio do Arruda, acompanhava o time da sala de casa. Em 2010 realizou o sonho de conhecer o campo tricolor e então passou a frequentar o espaço assiduamente por três anos consecutivos.

Depois de um hiato por causa da faculdade e outras obrigações, June quis retornar ao Arruda em 2019, mas junto com a vontade de torcer voltou o medo. “Conheci o Movimento Coralinas e comecei a ir para o estádio junto com elas para me proteger do ambiente machista que é a arquibancada. Já respondi alguns comentários ofensivos de outros torcedores, mas percebi que não seria bom ficar reagindo na hora da raiva, precisava fazer outra coisa para acabar com o preconceito”, conta.

Após uma ação de marketing do Santa Cruz, a campanha “Santa Cruz de Todos”, em conversa com outros torcedores, June teve a ideia de criar a Coral Pride, camisa 24 – primeiro e por enquanto o único coletivo LGBTQIA+ de arquibancada em Pernambuco. O grupo completou um ano em março e atua nas redes sociais para garantir um espaço mais acolhedor aos tricolores LGBTQIA+ sob o lema “Orgulho além das três cores”.

“O que aconteceu com Gil acontece com a gente todos os dias e precisamos debater sobre isso para que a arquibancada seja um lugar de acolhida para todos que amam o seu time. Estamos sempre dialogando com o clube. É uma luta que vai além das quatro linhas e está acima de qualquer rivalidade”, afirma June.

“É o amor que move a gente”

Há pelo menos 10 anos, a estudante Alice do Monte, 24 anos, vai a campo de futebol apoiar o Clube Náutico Capibaribe com amigos que fez nas arquibancadas. A relação se distanciou quando o clube trocou os Aflitos pela Arena de Pernambuco em 2013, onde mandou jogos até 2018.

“Quando o Náutico voltou para os Aflitos, quis voltar também para a arquibancada, mas senti medo da LGBTfobia. Minha companheira, que é tricolor, se voluntariou para ir comigo e, mesmo com medo de sermos agredidas, voltei a frequentar o estádio”, relembra.

Alice do Monte, 24 anos, torcedora do Náutico

Com o apoio da companheira e da torcida antifascista alvirrubra, a Brigada Popular do Náutico, Alice voltou a frequentar os Aflitos e a se sentir mais protegida e acolhida. Crédito: Arquivo Pessoal

O receio diminuiu quando Alice conheceu a Brigada Popular Alvirrubra, torcida antifacista do Náutico. A estudante então começou a ir junto com os membros para o estádio, já que o clube ainda não conta com um coletivo LGBTQIA+. “Conhecer essa galera foi perfeito porque o fato de eu ser uma mulher lésbica não muda em nada o tratamento. Eles também não cantam músicas homofóbicas e lutam por essa pauta de um futebol mais aberto a todos”, diz.

Alice, que levanta a bandeira do respeito à diversidade, foi uma das duas pessoas escolhidas para a primeira campanha do Dia Internacional contra a Homofobia promovida pelo clube há exatamente um ano. “Participar desse capítulo histórico do Náutico é muito importante. O futebol é o esporte mais popular do mundo, por isso não faz sentido criar barreiras contra as pessoas LGBTQIA+. Podemos ser diferentes, mas é o mesmo amor que move a gente”, argumenta.

Esta reportagem é uma produção do Programa de Diversidade nas Redações, realizado pela Énois – Laboratório de Jornalismo Representativo, com o apoio do Google News Initiative”.


AUTOR
Foto Kleber Nunes
Kleber Nunes

Jornalista formado pela Unicap e mestrando em jornalismo pela UFPB. Atuou como repórter no Diario de Pernambuco e Folha de Pernambuco. Foi trainee e correspondente da Folha de S.Paulo, correspondente do Estadão, colaborador do UOL e da Veja, além de assessor de imprensa. Vamos contar novas histórias? Manda a tua para klebernunes.marcozero@gmail.com