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Crise na Fundaj: o iceberg dentro do copo d’água

Inácio França / 05/03/2018

Não era uma tempestade no copo d’água. Era um iceberg. É isso que afirmam os funcionários da Fundação Joaquim Nabuco em mais uma nota oficial publicada horas depois da exoneração do presidente da instituição, Luiz Otávio Cavalcanti. O coletivo de funcionários Fundaj pela Democracia, garantiu que o episódio é apenas a “ponta do iceberg (…) de perseguições políticas e aparelhamento da instituição”.

Para o coletivo, o clima de perseguição acabou escancarado com as demissões dos estagiários e dos monitores terceirizados por causa de uma banalidade: o fato de uma estagiária do Museu do Homem do Nordeste segurar um suposto copo do bloco carnavalesco ‘Eu Acho é Pouco’ na solenidade de lançamento do programa de oficina Mestres dos Saberes.

A festa de lançamento, que deveria ser capitalizada pelo ministro Mendonça Filho (DEM) em sua tentativa de se mostrar um incentivador da cultura popular, acabou gerando mais desgaste por causa das demissões. Apesar da Fundaj, num primeiro momento, ter assegurado que os critérios para as demissões ter sido técnico, parte de um ajuste reorganizacional, no final de semana a coordenadora-geral do Museu do Homem do Nordeste, Silvana Araújo, revelou um pouco mais do tal iceberg.

O que houve foi que apenas um monitor circulou com um copo. Foi nesse copo que a equipe do ministro – uma pessoa que trabalha na área meio da Fundaj, mais precisamente na Administração – “enxergou” a inscrição ‘Fora Temer’. Como o monitor estava junto à coordenadora e a outros estagiários, todos foram punidos.” Essas foram as palavras literais de Silvana, servidora da Fundação há 30 anos.

A exoneração de Luiz Otávio teria sido uma tentativa de acalmar o vespeiro em que a Fundaj se tornou. A nova nota do Coletivo, no entanto, indica que a oficina Mestres dos Saberes, por exemplo, poderá render mais dores de cabeça ao ministro do que fotos bonitas para compartilhar no instagram: “A contratação por inexigibilidade de empresa responsável pelo projeto Mestre dos Saberes, orçado em 331 mil reais, para atender estudantes de apenas uma escola, tendo sido pago já metade deste valor, antes do início das atividades”.

Foto Afonso Oliveira 2

Afonso Oliveira é proprietário da Afonso Oliveira Produções Culturais

A empresa contratada é a Afonso Oliveira Produções Culturais, pessoa jurídica que leva o nome do seu proprietário. Afonso, para quem não lembra, foi secretário de Cultura de Olinda por algumas semanas, mas demitiu-se duas semanas antes do carnaval por razões incertas e não sabidas.

A empresa de Afonso, situada na rua Marechal Deodoro, 69, sala 201, na Encruzilhada, é detentora de notório saber em obter contratos públicos por inexigibilidade, ou seja, sem licitação. Uma busca rápida revela dezenas de contratos junto a prefeituras e ao Ministério da Cultura (há um muito interessante no valor de R$ 951 mil, que será mencionado mais adiante). Quase todos assinados após o golpe de 2016.

No caso das oficinas Mestres dos Saberes o valor é de R$ 331.300,00, dos quais R$ 157.367,50 já foram recebidos, mesmo com o projeto recém-iniciado. Quem conhece as regras da administração pública sabe que, primeiro, é preciso realizar o serviço. Depois, se recebe. O site da Fundaj, porém, informa que Afonso é o coordenador-geral do projeto, mesmo sendo um prestador de serviços.

Angelo

Ângelo Filizola, dono da Cactus também é o produtor do Quinteto

Os funcionários da Fundaj também desconfiavam que havia alguma ligação entre a Afonso Oliveira Produções e a Cactus Promoções, outra beneficiária direta dos contratos por inexigibilidade na Fundaj. A Cactus recebeu R$ 121 mil para organizar a exposição em homenagem aos 80 anos de J.Borges, mais R$ 78.500,00 para realizar uma cantata natalina do Quinteto Violado nos jardins da Fundação. Ângelo Filizola, dono da Cactus também é o produtor do Quinteto.

A desconfiança dos servidores deve ter alguma razão de ser: o endereço da Cactus é a mesma sala 201 do número 69 da rua Marechal Deodoro, na Encruzilhada. A Cactus também foi agraciada por uma inexigibilidade de R$ 751 mil no Ministério da Cultura, publicada no Diário Oficial da União exatamente no mesmo dia daquela de R$ 951 mil da Afonso Oliveira Produções. (Leia, no final da reportagem, a íntegra da nota enviada pela Afonso Oliveira Produções)

Por mais que Luiz Otávio Cavalcanti seja o signatário desses contratos, fica difícil não relacioná-los ao ministro Mendonça: Filizola, do Quinteto Violado e da Cactus, é marido de Gilberta Queiroz, uma das sócias da Trio Comunicação, empresa responsável pela comunicação das últimas campanhas eleitorais do atual ministro.

Um detalhe, informado pelos servidores em conversas em off, revela como a atual gestão da Fundaj trata o dinheiro público: o o Museu do Homem do Nordeste nunca contratou empresas terceirizadas para realizar oficinas ou exposições, pois conta com uma equipe experiente e qualificada para essas atividades.

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Nota enviada pela Afonso Oliveira Produções Culturais a respeito dos questionamentos feitos na reportagem:

Nota à Imprensa

Em razão dos questionamentos colocados pelo blog Marco Zero Conteúdo, no último dia 05 de março, a empresa Afonso Oliveira Produções Culturais, esclarece por meio da assessoria de imprensa que:

Inicialmente destacamos que, a Fundação Joaquim Nabuco, é uma instituição importante para história de Pernambuco e do Brasil, pois, trabalha, para construção de projetos e iniciativas que enaltecem a nossa cultura e a memória de nossa gente;

O projeto Mestres do Saberes foi concebido por nós e reafirmamos que o projeto Mestres dos Saberes é destinado para cerca de 400 alunos de escolas públicas e público em geral – como amplamente divulgado na imprensa –; ofertando 20 oficinas de artesanato com mestres e mestras reconhecidos do nosso Estado, além da oficina de Cinema de Animação. O projeto dispõe, ainda, como resultado do aprendizado do público: duas exposições e uma feira de artesanato;

Em relação ao endereço da empresa Afonso Oliveira Produções Culturais, informo que passamos mais de 10 anos com residência fixa na Avenida Conde Boa Vista. Posteriormente, em razão das questões econômicas que afeta o Brasil, e obviamente a nossa prestação de serviço, decidimos por atender no bairro da Encruzilhada em parceria da Cactus Promoções. No local também abriga o acervo de imagem e som do saudoso documentarista Jefersson Luiz;

Sendo assim, reafirmamos nosso compromisso de estarmos sempre disponíveis para outras dúvidas e informações sobre nossos projetos.

Continuaremos, sempre, trabalhando em parceria com os artistas e instituições, pois, acreditamos que trabalho em rede, coletivo e comunitário, fortalece cada vez mais a diversidade cultural de nosso pais.

AUTOR
Foto Inácio França
Inácio França

Jornalista e escritor. É o diretor de Conteúdo da MZ.