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Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, Olinda é uma das cidades mais populosas de Pernambuco, onde vivem quase 400 mil pessoas. Boa parte dessa população se queixa que foi esquecida pela prefeitura e relata problemas de infraestrutura, segurança, educação, acesso à saúde e assistência social. A Marco Zero visitou os bairros olindenses durante os últimos 15 dias, conhecendo os problemas que não foram solucionados em quase oito anos da gestão do professor Lupércio Nascimento (PSD) e que serão desafios para quem assumir o cargo em 2025. Desta quarta-feira (11) até sábado (14), a MZ apresenta algumas dessas histórias e as propostas dos candidatos à Prefeitura de Olinda na série de reportagens A Olinda que a prefeitura esqueceu, produzida por Jeniffer Oliveira e Raissa Ebrahim com imagens de Arnaldo Sete.
Quem mora em Águas Compridas, em Olinda, conhece alguém ou mora em uma área próxima a barreiras e encostas. O bairro, que se espalha por vários altos e morros da Região Político Administrativa 2 (RPA), enfrenta diversos problemas em relação à infraestrutura. Eu sou uma dessas pessoas. Olindense, vivi minha infância e adolescência em diferentes endereços de diversos bairros da cidade, dessa mesma região.
Quando minha família retornou à Águas Compridas, em janeiro de 2015, eu, minha mãe e meus irmãos não imaginávamos que viveríamos com medo do deslizamento de terra em cima de nossa casa, que é exatamente o que se passa com 50% da população olindense que vive em áreas de morros. A residência em questão, localizada na Estrada de Mirueira, foi construída em um terreno comprado nos anos 1980, lugar em que minha mãe cresceu e, até maio de 2022, os fortes ventos e chuvas não eram uma preocupação, mas passaram a ser depois da madrugada de 28 de maio de 2022.
Naquele dia, parte da barreira que fica atrás da nossa casa deslizou. No padrão das ocupações de morro, essa barreira fica no quintal de três casas que estão na parte baixa e, em cima dela, existem outras duas. Minha mãe, Michele Oliveira, 45 anos, relembra que “já havia cedido antes, mas muito pouco. Porém, em 2022, foi a primeira vez que cedeu muito e em pontos maiores”. A partir daquele dia, estar na nossa casa não parecia seguro, e não era.
Nós dividimos por dois meses a moradia com mais quatro pessoas na casa da frente, até a Prefeitura de Olinda, depois de muitos acionamentos, colocar a lona plástica. De acordo com a gestão municipal, aproximadamente 50 locais estão listados como prioridade para a Secretaria Executiva de Defesa Civil, entre eles Caixa D’Água, Águas Compridas, Córrego do Abacaxi, Córrego do Abacate, Alto Nova Olinda, Passarinho e Alto da Bondade.
Segundo o Plano de Contingência para ações de Resposta a Desastre e Situações Emergenciais de 2023/2024, realizado pela prefeitura, 122 locais são considerados setores de risco, classificados entre baixo e muito alto. Para minimizar os danos, equipes de instalação de lonas plásticas estão nas ruas com a meta de cobrir um espaço de 850 mil metros quadrados este ano.
No entanto, moradores precisam se mobilizar para conseguir atendimento da Defesa Civil. Perto dali, no Córrego da Bondade, localizado entre o Alto da Bondade e o Alto Sol Nascente, a pensionista Valdelice Barbosa, de 63 anos, convive há 20 anos com o risco iminente da barreira deslizar sobre sua casa. No caso dela, nem acionar a gestão municipal adiantou para que a lona plástica fosse instalada. Valdelice conta que, em todos esses anos, a Defesa Civil colocou o material apenas uma vez.
“Faz dois anos que eu compro lona no armazém, porque eles não têm capacidade nem de dar o material nem de vir botar. E eu ainda tenho que pagar para botarem. Isso é falta de consideração e respeito pelo próximo. Verbas existem, eles poderiam muito bem colocar ‘manta geo’, porque é disso que eu preciso”, relata Valdelice.
De fato, a prefeitura informa que a edição mais recente da Operação Inverno contou com investimentos de R$ 32 milhões e que os recursos têm sido utilizados para aluguel de maquinário, instalação de lonas e serviços, incluindo o corte de pontos de vegetação que possam gerar a movimentação de barreiras. Esse recurso também é direcionado à aplicação da geomanta, material que impermeabiliza as barreiras, evitando a erosão e o deslizamento. São cerca de 38 mil metros quadrados previstos para esse processo, mas a gestão não detalhou as áreas que serão contempladas.
Enquanto isso, os moradores seguem convivendo com a angústia. “Quando pega o inverno a gente fica preocupado, até pra dormir fica com medo. A gente dorme no quarto da frente, mas aqui atrás a gente não fica. Evitamos ficar na cozinha e nos quartos de trás”, afirma Aldemar Freire, de 57 anos, que mora no local com a esposa há 19 anos. Na casa ao lado, mora a filha, o genro e os quatro netos.
Ele conta que a barreira já deslizou e o barro chegou até a porta da sua cozinha, mas não derrubou a estrutura. “Até hoje só fazem colocar um plástico e pronto. Nunca vieram fazer nada aqui (além disso). A gente faz o pedido e demora muito pra chegar, fica naquela ‘peleja’, esperando eles botarem. Esse plástico mesmo já faz um bom tempo que colocaram, já está até ressecado”, completa.
Com a necessidade da manutenção recorrente e trocas anuais, as lonas plásticas são soluções paliativas. O ideal seriam soluções de engenharia para as áreas de barreiras e encostas. É o que explica a engenheira civil Hilda Gomes, diretora executiva da empresa Colmeia Arquitetura e Engenharia, que é servidora aposentada do município e já foi secretária de Obras da cidade.
“A lona plástica não é uma solução definitiva, porque ela não estabiliza o talude, ela apenas protege o talude da erosão, da água cair sobre ele e fazer erosões maiores. A lona é um simples paliativo que se coloca para que depois venha uma solução definitiva de contenção do talude”, esclarece.
Talude é o termo técnico usado na construção civil para barreiras e encostas, que são chamadas de taludes naturais, se caracterizando por ser uma superfície inclinada de terra ou rocha. Para que a instalação da lona cumpra seu papel de forma efetiva, é necessário algumas especificações.
“Não é só jogar a lona em cima do talude. Tem que colocar direito para que a água não penetre por trás da lona. Realmente, no inverno rigoroso, ela, pelo menos, serve de um paliativo para que aquela barreira não se eroda mais ainda e não venha a cair. Inclusive, se não trocar, ela resseca o sol e com o tempo, rasga também”, afirma.
Existem algumas soluções mais duradouras. Diferente do entendimento do senso comum, a engenheira explica que a geomanta também é uma solução paliativa, pois é executada apenas para a impermeabilização do solo, mas com uma durabilidade maior que a lona plástica.
O ideal seriam soluções de engenharia executadas a partir de uma análise técnica profissional. “O muro de arrimo é uma solução de engenharia. Aqui em Recife usa-se muito também o rip rap, que são sacos preenchidos com solo e cimento. Também o gabião, que é um outro tipo de muro de arrimo colocado com tela. Tudo isso são soluções de engenharia, porque são calculados, a engenharia calcula para fazer esse projeto”, reforça.
Para a efetividade de qualquer projeto definitivo de contenção, precisam ser pensados uma série de fatores e um dos principais é a drenagem, como explica Hilda: “A gente tem também que fazer a micro drenagem chegar à macro drenagem. Ou seja, drenar aquela barreira para chegar a uma drenagem maior, que seja um córrego, um rio, um local de escoamento, porque senão você só transfere o problema de um local para outro”.
A equipe da Marco Zero questionou a prefeitura de Olinda sobre quantos metros quadrados de lona plástica foram instaladas e quantos metros quadrados de geomanta foram construídos. Perguntamos também a respeito do prazo de substituição das lonas plásticas do Córrego da Bondade. Não houve resposta aos nossos questionamentos. Quando houver retorno, o texto será atualizado com as informações.
Quem for eleito vai precisar olhar para essas localidades e para as que não estão no atual plano de contingência, mas que fazem parte da mesma região. Ao analisar as propostas de governo de cada um dos seis candidatos à prefeitura de Olinda, é possível ver que apenas dois citam barreiras e áreas de risco, duas apresentam soluções para encostas e os outros dois não citam os temas em suas propostas de governo.
1. O candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Vinicius Castello, propõe implementar uma infraestrutura de saneamento ambiental nas áreas de risco de deslizamento e inundações e elaborar um Plano Municipal de Adaptação às Mudanças Climáticas com participação ampla das pessoas e dos territórios mais impactados pelos efeitos da mudança do clima.
2. Antônio Campos, do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), apresenta apenas as diretrizes básicas do plano de governo, entre elas o monitoramento das áreas de risco e aplicação de “gel (sic) mantas” em barreiras.
3. Izabel Urquiza, do Partido Liberal (PL), não fala especificamente sobre barreiras, mas cita minimizar a infiltração e sobrecarga nas encostas, para melhorar a segurança das áreas vulneráveis e prevenir futuros deslizamentos, além de superar a abordagem paliativa da antiga gestão, adotando soluções permanentes e técnicas adequadas para garantir a proteção e estabilidade das áreas afetadas.
4. A candidata Mirella Almeida, do Partido Social Democrático (PSD), também fala sobre encostas, propondo criar um setor, dentro da gestão pública, de captação de recursos para a área de infraestrutura, priorizando as encostas, rios e canais.
5. Os candidatos Márcio Botelho, do Partido Progressista (PP) e Clécio Basílio, do Partido da Causa Operária (PCO), não apresentam soluções para barreiras, encostas e áreas de risco.
Jornalista formada pelo Centro Universitário Aeso Barros Melo – UNIAESO. Contato: jeniffer@marcozero.org.