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Exército recua, mas ambientalistas querem desmatamento zero na Escola de Sargentos

Raíssa Ebrahim / 18/01/2024

Crédito: Arnaldo Sete/Marco Zero

Na véspera da vinda do presidente Lula (PT) a Pernambuco, o Exército anunciou, nesta quarta-feira, 17 de janeiro, que irá reduzir a área de desmatamento prevista para a construção da Escola de Sargentos na Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe, a aproximadamente 30 quilômetros do Recife. 

O recuo dos militares acontece em meio ao aumento da pressão pela preservação do trecho de mata atlântica regenerada e mantida pelas próprias Forças Armadas nas últimas décadas. No entanto, ambientalistas e movimentos da sociedade civil reivindicam que nenhuma árvore seja derrubada e pleiteiam que a escola seja erguida em outro local.

Em 2021, quando o megaempreendimento foi anunciado, ainda no governo Paulo Câmara, a previsão era que seria preciso suprimir 180 hectares de vegetação. Em 2023, essa área caiu para 150 ha e, agora, para 90 ha — metade, portanto, do previsto inicialmente. A Escola de Sargentos, com capacidade para receber mais de seis mil pessoas, está orçada em R$ 1,7 bilhão e deve gerar, durante a construção, 10 mil empregos.

Nesta sexta-feira (19), às 9h, Lula participa da cerimônia de transmissão de cargo do Comando Militar do Nordeste, no bairro do Curado, no Recife. Na sequência, acompanha a solenidade de assinatura do Termo de Compromisso para construção da Escola de Sargentos. A agenda do presidente no estado tem início já nesta quinta-feira (18) à tarde, com anúncio da retomada de investimentos na Refinaria Abreu e Lima, em Suape.

É grande a expectativa para saber como Lula irá se posicionar sobre a questão ambiental. Em 2022, durante a COP 27, o presidente prometeu zerar o desmatamento e a degradação de todos os biomas brasileiros até 2030. “Não há segurança climática para o mundo sem uma Amazônia protegida. Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas”, disse o presidente quando estava no Egito.

O General Joarez Alves Pereira Júnior, do Comando Militar do Nordeste, detalhou, na coletiva, que a redução do desmatamento foi conseguida ao ajustar o projeto deslocando as vilas militares para uma área adjacente fora da APA. Sobre construir a Escola em outro local para que não haja desmatamento, o general alegou que isso mudaria a lógica de estabelecimento do campo de instrução e poderia prejudicar algumas comunidades do entorno.

A lógica do campo é, resumidamente, abrigar, ao norte, a área de impacto de tiro, onde são realizados os tiros de arma longa, metralhadoras, morteiro, artilharia, carro de combate, e, ao sul, a área de construção de edificações e de empaiolamento de munição.

“Todo o nosso apoio de escola, dos familiares, de suporte de saúde, o nosso hospital militar, de suporte de suprimento e manutenção, o nosso batalhão, o nosso depósito de suprimento, eles são todos em Recife”, complementou explicando que mudar o local da Escola deixaria esses acessos mais complexos.

“Nenhuma árvore a menos”

Representantes do Fórum Socioambiental de Aldeia e de movimentos e organizações socioambientais estiveram no local da coletiva, mas foram impedidos de acompanhá-la. Eles reivindicam e já apresentaram algumas alternativas locacionais para que não haja desmatamento. Também defendem que, além do prejuízo à fauna e à flora, haverá grande impacto sobre a nascente do rio Catucá, que alimenta o Sistema Botafogo, responsável por prover água a um milhão de pessoas na Região Metropolitana do Recife.

A mata do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti (Cimnc), onde a Escola será erguida, é considerada um santuário por abrigar mata atlântica regenerada, nascentes e mananciais. O Cimnc é apelidado de “Amazônia da Região Metropolitana do Recife”. Com 7,5 mil hectares, é a maior faixa contínua de mata atlântica acima do rio São Francisco. A mata abrange oito municípios: Abreu e Lima, Araçoiaba, Camaragibe, Igarassu, Paudalho, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata.

O Fórum Socioambiental de Aldeia é a única representação da sociedade civil no Grupo de Trabalho sobre a Escola de Sargentos montado pela governadora Raquel Lyra, mas não tinha sido informada sobre a redução da previsão de desmatamento.

Na avaliação de Herbert Tejo, presidente do Fórum, o discurso do Exército de que haverá um ganho ambiental e hídrico “é ficcional”. Ele lembrou que ainda não está demonstrado como o reflorestamento será feito nem onde nem quando. O Fórum propôs, em reuniões com as autoridades, que haja um replantio de 10 hectares para cada um hectare que venha a ser desmatado e que esse reflorestamento seja iniciado antes do início da construção da Escola.

Um estudo publicado na revista científica Science, na semana passada, mostrou que a maioria das espécies de árvores da mata atlântica estão ameaçadas de extinção. Entre as espécies exclusivas, 82% têm algum grau de ameaça. A pesquisa foi coordenada pelo professor de ecologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da Universidade de São Paulo (USP) em Piracicaba (SP), Renato Lima.

Ibama precisa autorizar desmatamento

O Exército garantiu, na coletiva desta quarta-feira (17), que atuará conforme a legislação ambiental, o que inclui, como compensação, investir em reflorestamento, porém o tipo e o momento dessa compensação são de definição do Ibama, adiantou o General Joarez. De acordo com ele, a escola está em fase inicial de planejamentos e ajustes “dentro daquilo que é possível remodelar”, contato que não se desvirtue o projeto, frisou. 

A legislação brasileira isenta de licenciamento ambiental empreendimentos de caráter militar “previstos no preparo e emprego das Forças Armadas”. Em 2022, o Exército solicitou ao Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) essa dispensa, com base na Lei Complementar nº 140, de 2011. A resposta do Ibama, confirmando a isenção, foi dada naquele mesmo ano através de ofício.

O órgão ressaltou no ofício que a isenção do licenciamento ambiental não dispensa o Exército de outras possíveis medidas de redução de impactos, controle e monitoramento e tampouco o exime de requerer autorizações de outros órgãos, caso se façam necessárias. Para construir a Escola, o Exército precisará de uma Autorização de Supressão Vegetal (ASV), a ser dada pelo Ibama com necessidade de anuência da Agência Estadual do Meio Ambiente (CPRH).

A Escola de Sargento é estratégica para as Forças Armadas uma vez que irá concentrar num só espaço a formação que hoje acontece em 16 locais espalhados pelo Brasil. A escolha de Pernambuco passou, entre diversos pontos — com destaque para as contrapartidas do governo local (rodovias, infraestrutura, água e saneamento) — pelo fato de já haver aqui um campo de instrução. “Um tiro de artilharia é uma coisa que não se realiza em qualquer local”, reforçou o general ao defender a localização do projeto.

Pernambuco não vai doar “Cidade da Copa”

O governo Raquel Lyra (PSDB), em concordância com o Exército, retirou do acordo de cooperação assinado em 2022 para construção da Escola de Sargentos o item que previa a doação à União de uma área de 152 ha ao lado da Arena Pernambuco, em São Lourenço da Mata, na Região Metropolitana do Recife. Essa era uma das principais contrapartidas de Pernambuco para atrair o projeto da Escola para o Estado. 

O terreno, equivalente a mais de 200 campos de futebol, está localizado onde seria erguido o megaprojeto da Cidade da Copa, que, após desapropriações e muitas promessas, nunca saiu do papel. A doação aconteceria mediante autorização através deProjeto de Lei a ser enviado à Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe).

Na foto, o general Joarez e a secretária de Meio Ambiente Ana Luiza Ferreira na coletiva de imprensa. Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Essa área da Cidade da Copa seria usada pelo Exército para a construção de um complexo logístico militar e foi parte essencial na disputa pela escola com o Rio Grande do Sul e o Paraná.

“Num diálogo muito tranquilo com o Exército, ficou claro que esse terreno não era fundamental para o projeto da Escola de Sargentos”, explicou à reportagem a secretária estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Ana Luiza Ferreira, ao final da coletiva. “Hoje esse é um terreno de extrema importância para as medidas de habitação social do estado de Pernambuco”, complementou.

“Mas a gente coloca o Governo do Estado à disposição para, eventualmente, no futuro, de acordo com a necessidade do Exército e a disponibilidade do governo de Pernambuco, viabilizar uma outra área, caso isso venha a ser necessário”, acrescentou.

Outro aditivo ao acordo é a consideração da questão ambiental. “O acordo, como originalmente foi assinado, não falava do meio ambiente, mas o meio ambiente é um ponto crítico. Então a gente assina agora um aditivo se comprometendo com a questão ambiental”, disse a secretária Ana Luiza sem dar maiores detalhes. 

Os dois aditivos — sai Cidade da Copa e entra questão ambiental  — ainda não foram assinados nem publicados oficialmente, mas já teriam sido acordados na redação entre o Exército e o Governo do Estado, segundo a gestora.

Em sua fala na coletiva, a secretaria buscou desfazer a narrativa de que a governadora Raquel seria contra e não estaria valorizando o projeto da Escola. Aproveitou para repetir os últimos discursos que tem dado sobre o projeto, que é um empreendimento socioeconômico importante para o Estado e que o governo está trabalhando para garantir a sustentabilidade e o meio ambiente como “premissas básicas e fundamentais”, que os órgãos de controle estão ativos e também que está sendo feito um esforço de conciliação.

AUTOR
Foto Raíssa Ebrahim
Raíssa Ebrahim

Vencedora do Prêmio Cristina Tavares com a cobertura do vazamento do petróleo, é jornalista profissional há 12 anos, com foco nos temas de economia, direitos humanos e questões socioambientais. Formada pela UFPE, foi trainee no Estadão, repórter no Jornal do Commercio e editora do PorAqui (startup de jornalismo hiperlocal do Porto Digital). Também foi fellowship da Thomson Reuters Foundation e bolsista do Instituto ClimaInfo. Já colaborou com Agência Pública, Le Monde Diplomatique Brasil, Gênero e Número e Trovão Mídia (podcast). Vamos conversar? raissa.ebrahim@gmail.com