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Foto de seu Maruca, homem branco, idoso, usando camisa antiUV rosa desbotada, com um boné branco na cabeça fazendo sombra sobre o rosto. Ele está no meio do rio com água barrentas segurando uma corda azul esticada a partir de um ponto da margem, onde há árvores altas de um manguezal. O dia está claro, com céu azul com poucas nuvens. Ao fundo, à direita da imagem, se vê um edifício branco.

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Por que o trabalho de Seu Maruca é o mais ameaçado do Recife

Maria Carolina Santos / 06/05/2024

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Mário Severino da Cunha era ainda menino quando começou a cruzar o rio Capibaribe de barco levando e trazendo gente da Iputinga, na zona oeste do Recife, para o Poço da Panela, na zona norte. Antes dele, era o pai quem fazia o mesmo trajeto, de manhã até à noite. Com o auxílio de uma corda de 100 metros de comprimento, suspensa sobre o rio, ele vai guiando o barco – ou canoa, como chama – e vencendo a correnteza. Seu Maruca se sente vivendo os últimos dias do seu ofício. Em breve, a menos de 500 metros dali, será inaugurada a ponte que liga a Iputinga ao bairro do Monteiro.

O barqueiro, de 77 anos, calcula que faz pelo menos um século que esta travessia de margem a margem existe. O pai dele era também menino quando veio de Limoeiro para o Recife e começou a trabalhar na passagem. No começo, o barco tinha um gancho e o remo ia de um lado para o outro no bico da proa. Depois, veio a ideia de colocar a corda suspensa.

O rio, lembra seu Maruca, era outro.

Sem mangue nas margens, com águas claras, onde peixes de vários tipos eram abundantes e crianças tomavam banho. Guaiamum e camarão eram comuns e faziam parte dos almoços na casa da família, na margem do lado da Iputinga. Não se via nem jacaré, nem capivara, que são os animais que ele mais encontra hoje nas travessias.

“Eu já bebi água desse rio”, lembra. “Aqui, só tinha os casarões ali da Marquês de Tamandaré (onde hoje é o condomínio Passárgada). Foram construindo edifícios e os esgotos aumentando. Aqui (aponta para o deque que dá no Jardim Secreto, do lado do Poço) tem essas três saídas de esgoto, tudo depois que construíram tantos prédios”, reclama Mário, que também trabalhou por 37 anos na Casa de Saúde São José, demolida em 2009 e onde hoje se está construindo o Parque do Poço.

Foto de um homem e duas mulheres sobre um barco no rio Capibaribe. Á esquerda da imagem, um homem é negro e magro, usando um boné e óculos escuros, vestindo uma camisa de mangas compridas na cor bordô e calças jeans. Ele segura um bicicleta. Em primeiro plano e no centro da foto, uma das mulheres está com a mão direita pousada sobre o selim de uma bicicleta. Ela veste blusa lilás, calça jeans com abertura lateral na perna e um boné vermelho com o símbolo da nike. Ao fundo, à direita da image, está a outra mulher, também com uma bicicleta. Ela veste uma camisetya preta com escudo da CBF e tem cabelo amarrado. Ao redor, se vê as águas barrentas do rio, o manguezal na margem e um prédio se sobressaindo na paisagem ao longe, na linha do horizonte.

Cajuíno, Carla e Elisângela dizem que vão continuar fazendo a travessia de barco

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo

Com a ponte – que já expulsou parte da Vila Esperança – seu Maruca acredita que seu barco vai receber ainda menos passageiros. “Teve época que aqui havia oito canoas fazendo a passagem. Hoje só tem eu”, afirma. “Também havia muito mais gente cruzando. Muitas mulheres que moravam aqui no Caiçara (na Iputinga) trabalhavam do outro lado”, conta.

Cada ida custa R$ 2. Seu Maruca – ou o sobrinho dele, conhecido como Pai – está lá todos os dias das 4h da madrugada até às 18h. Faz em média R$ 80 por dia. Muita gente que vai trabalhar de bicicleta pega o barco para cortar caminho. Com a ponte, a travessia de barco não vai ficar mais tão atrativa, mas há clientes antigos que não pensam em deixar o barco de seu Maruca.

Motorista, Alberto Cajuíno mora na Várzea e todo dia pega o barquinho de seu Maruca. Vai trabalhar de bicicleta. E não pensa em abandonar a travessia de barco, nem quando tiver a ponte ali pertinho. “Corto uns seis quilômetros pegando o barco. Não vou pela ponte, vou continuar aqui, fico olhando a natureza. É muito bonito”, diz.

Moradoras da Iputinga, Carla Maranhão e Elisângela Maria vão trabalhar na praça de Casa Forte também de bicicleta. “Pegando aqui o barco, a gente economiza uns 30 minutos”, dizem. A ponte, afirmam, não vai mudar a rotina delas. “Já estamos acostumadas”, diz Carla.

Para a diarista Yara Maria, quando a ponte estiver em uso, a travessia de barco vai continuar sendo uma opção quando ela estiver pé. “Mas quando eu for de bicicleta, eu vou usar a ponte. Quando vou a pé não vale a pena, porque ainda tenho que andar um pedação. Aqui eu atravesso de bote, ando duas quadras e já estou no serviço”, conta.

Adaptado aos tempos atuais, seu Maruca aceita pix – que é como a maioria dos passageiros paga a passagem – e até deixa fiado para quem conhece. Apesar de muitos passageiros afirmarem que vão continuar a cruzar o rio com ele, ele sabe que a ponte que aparece ali no horizonte é um aviso de que o público vai diminuir ainda mais. “As pessoas estão todas economizando. Vai afetar bastante”, lamenta.

Esta foto mostra três pessoas em um pequeno barco no rio. O rio parece estar calmo, e as águas são de cor marrom clara. Uma pessoa está de pé, segurando uma vara ou corda que se estende para fora do quadro da imagem. As outras duas pessoas estão sentadas no barco. Ao fundo, há árvores verdes e densas e uma estrutura construída perto da margem do rio.

O barqueiro está convicto que inauguração da ponte vai reduzir o movimento

Crédito: Arnaldo Sete/MZ Conteúdo
AUTOR
Foto Maria Carolina Santos
Maria Carolina Santos

Jornalista pela UFPE. Fez carreira no Diario de Pernambuco, onde foi de estagiária a editora do site, com passagem pelo caderno de cultura. Contribuiu para veículos como Correio Braziliense, O Globo e Revista Continente. Ávida leitora de romances, gosta de escrever sobre tecnologia, política e cultura. Contato: carolsantos@gmail.com